sexta-feira, 14 de agosto de 2020

casa

Amo minha mulher mas faz muito tempo que não nos vemos. Começou aos poucos. Depois de uns três anos de casados, ela me disse, pimpão, me chama assim minha esposa, vou passar uns dias em Nova Petrópolis, para trabalhar nas minhas anotações. Apareceu duas semanas depois. O livro sobre arquitetura rural do século XVIII não estava acabado mas faltava muito pouco. Depois, ficou mais recorrente. Passou as férias fora, viajando com as amigas, três meses ao todo. Me mandava postais, sempre, com pequenas frases que eu guardava como amuletos, joias, de suas aventuras. Como nos víamos cada vez menos, tinha vezes que me avisava quando já tinha partido, depois de um longo tempo. Eu cuidava da casa, mantinha nossos móveis limpos, as contas pagas, sempre fui do tipo caseiro, e lá pelas tantas, recebia um e-mail seu ou um telefonema dizendo que estava no recôncavo baiano, mas que antes, tinha passado um período no peru. Eu respondia perguntando como ela estava, era sempre importante para mim, saber se minha mulher estava bem. Por vezes, a vida dificulta vivendo assim, demorava até conseguir contatá-la, e assim fica difícil seguir as pendências no cotidiano. Agora não posso, estou em uma vernissage, mas sim, o blazer azul é o melhor mesmo para seu evento pimpão. Me mande os papeis por correio, que eu assino, pimpo. Diga pra mamãe que a amo. Quando voltava era como se nunca tivesse ido, comíamos espaguete caseiro, víamos filmes antigos, limpávamos o apartamento. Por um período fiquei mais de três anos sem falar com minha esposa, até que ela enfim mandou uma mensagem dizendo que passou por um período difícil mas estava melhor. Raras vezes a fui visitar, não gosto de aviões, ficávamos abraçados por um fio de horas, olhando a cidade onde ela morava, respirando o ar que ela respira, tentando imaginar como se é viver no pacífico, no atlântico. Às vezes penso que temos um amor açucarado com a calma, e agradeço por isso. Todas as vezes que pedi que retornasse, ela veio, que foram umas duas ou três, na morte de minha mãe, em um período que fui demitido e me senti extremamente doente. Um dia me ligou e disse que tinha conhecido alguém, isso já havia acontecido outras vezes, mas nunca havíamos falado. Minha mulher me perguntou se havia problema estar grávida de outro homem, nunca falamos de ter filhos, ela disse, eu falei, eu sei, e eu disse, que ela que deveria saber. Ela acabou perdendo o bebê, o relacionamento não aguentou, ela me disse, só me disse isso, já em nossa casa, chorando com um rosto nublado. Passou-se uns anos e dessa vez fui eu que fui até ela, e a pedi um filho. Estava me sentindo sozinho, acho que ela intuiu. Demorou um tempo para engravidarmos, nossas tentativas eram por vezes engraçadas e por outras lembravam nossos tempos de adolescentes, me deixando muito emocionado. Logo que deu a luz, minha esposa voltou ao seu apartamento, faria uma residência na cidade do México. Amo muito o menino, tem os olhos da mãe, olhos vivos e angulosos. Sempre o mandou presentes, retratos, livros, lembranças de suas viagens, e quanto as festas de fim do ano sempre tentamos estar juntos, às vezes vamos a visitar, as vezes ela vem. Agora já está maiorzinho, um pivete, doze anos. Nos divertimos muito nesta casa.

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