Quando Julieta começou de uma hora para outra a se dedicar ao tricô, ela realmente foi longe demais. Volte uma semana e encontrará em seu quarto um estranho hálito de mumificar. Volte uma semana e encontrará em sua cozinha tentando maestrar os poucos dedos que não sofreram danos entre a faca e a tábua de picar. Volte uma semana e verá a cara de sua mãe, Vera, uma polaca cuja moral fora instruída pelo clima árido da depressão central, entorpecida de braveza por novamente ver a filha ser reprovada no exame da autoescola. Por isso a surpresa quando ela misteriosamente se descobriu uma ótima costureira. Ela cuja mesmo a habilidade mais simples como a de respirar fundo era passível de incapacidade. Ela agora conhecedora dos fios, das tecelagens, das grossuras exatas para se fazer um suéter ou até mesmo uma tiara de cabeça. Ela que em menos de uma semana conseguira arranjar uma capacidade para seus dedos antes tão próximos das rotinas da raízes e agora verdadeiros trabalhadores, e mais ainda, diriam uns, disseram alguns senhoras entre o bom dia e o boa noite, artistas. E é claro que eu fiquei puta da cara porque conheço Julieta poderiam fazer o que? cinco anos, quem sabe, mas na verdade faz quase um ano, quase um ano que convivemos e fazemos coisas que as outras pessoas consideram sinais de intimidade como tirar fotos com os rostos grudados para cabermos no mesmo ângulo, ou quem sabe tomar chimarrão na frente de casa em uma cadeira de praia cravada no concreto, com uma boa dose de surrealismo. Bem sabia ela que há oito meses eu já ensaiava o tricô, coisa que fora passada a mim por gerações desde quando na Lituânia minha avó fazia remendos na época da guerra em soldados, e todos eram soldados naquela época. Bem sabia ela da importância disso para mim, tanto é que até assinei uma revista pela primeira vez na vida a Linhas de Perto, da Casa e Gavetas Editores, e que imagine só até mesmo uma loja pensei em abrir no ramo (passei perto de uma criança no supermercado na terça-feira e o fato dela chorar agudamente com um rosto bolachento sabor cereja vencida magicamente sumiu após eu observar suas lindas tranças, então pensei Traços e Tranças, está aí o nome da minha loja, até o nome do lugar já tenho enfim). Tudo isso pensei em dizer para Marco, meu companheiro, mas não falei nada para não soar arrogante, porque estava na hora de deitarmos, e porque também eu não queria suscitar o rosto fino de Julieta, eu não poderia correr o risco de deixar Julieta em sua mente como um post-it grudento em vai e vem logo na hora que eu queria era ser comida por ele de luz acesa sem nenhuma concorrência imaginária em seu córtex cerebral. Mas acontece que quando Marco me rebateu com seu gordinho pênis tonteante, por mais que eu quisesse brincar de fazenda ou jorrar suores e coisa do tipo, eu não conseguia pensar como fora que Julieta decidira se interessar pelo tal tricô, pelo meu tricô, aquilo tudo era uma sacanagem comigo, de certo a louca me espionava as escondidas ou coisa do tipo, eu devo ter mencionado algo para ela mas não lembrava exatamente qual momento fora esse e se envolvia ou não aquelas margueritas do chá de fralda de Flávia, eu estava quase certa de que essa não era uma simples coincidência essa mulher devia estar armando algo, daqui a pouco eu veria o caminhão de mudança trazer uma piscina oval igualzinha a minha para a casa dela, que fica no outro lado da rua, daqui a pouco ela estaria pedindo ovos com um decote filho do caráter mais explicito na minha porta, o exibindo para Marco, logo depois de eu sair para deixar as crianças no colégio, não me surpreenderia em nada ela pular em cima dele, nas suas noites de tricôs Julieta deve sim pensar em Marco a fodendo de costas como uma máquina de costura, rápida e forte, deve imaginar como será o seu pau, o mesmo pau que agora me atinge por dentro sem jeito, com um ritmo indeciso porém energético, o pau que me cava aos poucos até o ponto de eu duvidar que ele realmente está lá e porque ele está lá para me abrir ou para me fechar. Será que Julieta gostaria, aposto que sim, gostaria de estar aqui com suas duas agulhas rosas enrolando a lá com ferocidade enquanto Marco erra meu clitóris e sua saliva é desperdiçada no meio das minhas pernas, enquanto eu o empurro para longe e faço nosso ponto de contato ser apenas meus dedos esquerdos e sua glande careca e viscosa, se Julieta estivesse eu mesma lhe daria um ensinamento importantíssimo sobre a arte do tricô – primeiro que uma agulha sozinha não faz o ponto – abrindo um caminho com os dedos entre as nádegas molengas e fugidas de marco – segundo que para um bom tricô o importante além de movimentos repetitivos é surpreender – encontrando uma abertura na junção de seus pelos grossos e avançando por trás vagarosamente cada vez mais dentro do dentro –e terceiro, tudo pode ser agulha, tudo é agulha, todo material é útil se temos a vontade necessária de trabalhar. Eu fodia Marco e ignorava seus pequenos rugidos de asas batendo ao vento forte enquanto imaginava Julieta a costurar na poltrona ao lado de nosso closet, eu não conseguia ver o que ela estava tecendo, se era uma blusa ou um blusão, um biquíni ou uma boina e isso me deu muita raiva, muita raiva por não saber ou não poder saber o que era, então quando eu e Marco acabamos e ele se entregou a sua própria poça de suor como um peixe exausto de tanta energia gasta em uma fuga inútil de um anzol estrangeiro, eu percebi que me parecia um pequeno traje, talvez para um bebê ou uma criança.
Foi então que me veio uma estranha sensação de querer ser muito pequena para poder caber naquela peça de roupa.