Acordar, sofrer pelos dentes parados, lavar a cara, engolir
almoço. Os índios, no Xingu os índios incomodam muita gente, no Xingu do
Brasil, do mundo, um índio é morto, um índio é mortos. Lavar a louça, colocar
um cd do Leonard Cohen, sentir os barulhos do estômago de Leonard Cohen em sua
garganta, cantar para a Suzanne de Cohen, lavar mais a louça. Escutar Anos
Dourados, lembrar do rosto dela na mesma cozinha, no mesmo dourado, olhar par
ao pai mentindo ao dizer que sabe nada sobre o que diz essa música. Ligar um incenso,
lavar a travessa de carne, parar tudo, parar tudo e dançar Clube da Esquina na
sala vazia, convidar a cachorra, alegrar a cachorra, dançar com a cachorra,
convidar o gato, o gato assiste mas não entende, os passos, a música, o cheiro
de café, a alegria da cachorra. Doer o peito, ter um peito, sentir o roncar das
áreas de incêndio do peito, perder a respiração para o movimento dos braços,
amar Belchior loucamente, mostrar para os pais a nova música que fez com Pedro,
Pedro agora canta sobre o tempo, areia seca corroi o osso duro do tempo, meu avô chora quando Pedro fala sobre o tempo,
depois da volta do hospital, depois da dor,meu avô não perde tempo e agradece com choro. Olhar
para a mãe e mentir que compreende completamente a letra de sua própria música.
De pantufa chorar e dançar mais um pouco, a louça ainda suja, pedir uma brecha
para a sujeira, de pantufa chorar com Nei Lisboa, de pantufa acordar de novo.Sujar a louça da pele. Da sala. Sujar o vazio com dança. A
Turquia é aqui, ler o jornal, não ler o jornal e sim os blogues, ler nos blogs
sobre porque a Turquia é aqui. Discutir sobre a Turquia com os pais, fazer um
minuto de silêncio, entender que houve mortes e que haverá. Ir para o cinema,
convencer a todos, aos pais, a irmã, a família, ao Xingu e a Turquia que faz
bem ir ao cinema e assistir a um filme. Corrijo. Ir ao cinema e assistir a
morte. Corrijo. Ir ao cinema e sentir dor, no maxilar, nos ventrículos, a água
do corpo tremer e fazer doer tudo, expor lágrimas na pachimina, agradecer a si
mesmo por ter saído de pachimina e esboçar rosto seco. Corrijo. Ir ao cinema e
dançar ao contrário. Ver a irmã, ver o Araguaia, ver a família, ver aquilo que
diz memória inconsolável. E daí dançar mesmo. Sair do cinema com a família, a
dor, o Araguaia, a Turquia, o Xingu e dançar quadrilha. Comer bauru, que não é
xis e nem hambúrguer, comer bauru com fritas que são francesas, cortar o livro,
desenhar no Drummond, falar do menino que não se matou, falar do menino que
três vezes não se matou, falar da dor que cinco vezes não se matou. Fingir a
todos que não conhecer: o menino, as vezes, a dor, o matou. Enganar a todos
muito bem, principalmente a Drummond. voltar para casa. pensar em fugir, cantar Você Não Entende Nada Do Que
Eu Digo e quase fugir pro Rio de Janeiro para a dança, para a água, para a memória, para a dor, para o teatro
do inconsolável. Depois tentar dormir, mandar os dentes dormir, saber que na
verdade nunca nada dorme. Ter certeza de que nada nunca dorme mas enganar tudo&todos
de que pelo menos os dentes podem sim conseguir dormir. E é assim que a gente
descansa. Estudar com o escuro como cantar uma canção de ninar para os dentes e
assim aguardar no rosto a espera. A espera é uma rua que caminha. Lembrar que já saiu do cinema. Parar.
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