quarta-feira, 2 de outubro de 2013
no ocaso se levar de brinde
eu tinha 22 anos e estava fugida. perdida. decepadas todas as cabeças. inclusive as da vitrine. liquidação. eu tinha certeza absoluta de que 49 é o número posterior a 22. eu tinha esse emprego e arrastava minhas roupas para lá. ficavam as roupas trabalhando enquanto isso eu ia tomar um chá de clima temperado, ler Auden e enrolar o cabelo para testar minhas nada táticas de convencimento. não conseguia prestar atenção nos lembretes de bom comportamento como por exemplo "olhe para o lado antes de atravessar a rua". eu sempre pensava que as ruas tinham tantos tantos mais lados do que aquela singela impressão proporcionava que diante da impossibilidade imediata de captura nem me dava ao trabalho de, ao trabalho de tentar. eu tinha um par de botas. era verão. e eu com aquelas botas. as pessoas falavam comigo. 17 minutos depois eu percebia que haviam falado comigo. 17 minutos depois é um tem inválido para voltar atrás, para resolver seguir alguém depois de perder de vista, nesse tempo essa pessoa já pode ter ido da zona sul a zona norte ou inventado 287 apelidos novos para você. meu cabelo era mais comprido na esquerda e por isso sempre achava que tinha alguém atrás de mim. isso me deixou neurótica por um tempo. eu fugia de qualquer lugar se pensasse que uma situação de perigo é aquela que você não precisa se desculpar. você simplesmente vai embora da exposição do seu amigo, do aniversário de sua sobrinha, da aula de fotografia. depois diz, é que pensei que estava em perigo. aquele cara tinha cara de acidente. aquela mulher tinha 30% de chance de me confundir com uma de suas antigas minas de ódio. senti cheiro de gasolina. fui prudente. sou responsável. quem saberá o que poderia ter acontecido se eu ficasse lá? sabe quem ficou lá? john lennon. e veja só o que aconteceu com ele. eu usava desculpas ridículas como essa o tempo todo. eu voava de um lugar para o outro por causa dos cigarros. ou porque acabava, ou porque não era permitido fumar. e se eu me apaixonasse por alguém eu errava a direção da fumaça, de propósito, nas últimas semanas de término eu sempre saia com alguém com cara de nuvem cinza. era assim, não sabia se ia ou vinha, ficava pouco tempo nas pessoas, lugares. usava roupas muito coloridas para não ser atropelada já que eu sabia meu comportamento errante nesse meio. mas então um dia acordei com a sensação de que tinha a ideia de um texto muito bom. porém logo a esqueci. então lembrei de meus últimos relacionamentos. eles também tinham parecido uma boa ideia. resolvi parar de escrever,a hora, eu olhei o relógio na hora: 16:59. foi quando eu me senti realmente livre na minha vida, um minuto antes. antes, desde de tinha uns cinco anos e aprendia sobre miguelângelo nos tartarugas ninjas eu sentia de que eu tinha que escrever. era uma obrigação terrível que roubava todo aquele suor reservado especialmente para o mercado de trabalho ou a lucidez no supermercado ou na hora de convidar alguém sério para transar. isso era passado. e fui discutir kracauer ( o alemão não o norte-americano é claro) e adotar um sonho antigo de cultivar oliveiras. eu usava um chapéu de pescador para as pessoas não me classificarem como interessante ou me reconhecerem. tinha medo que soubessem que na verdade não sei desenhar um anzol e confundo ele com a letra J. fazia exatamente 1 ano que eu tinha comprado aquelas botas. aquelas botas que eu gastava ao tentar correr atrás dos 17 minutos perdidos. 1 ano fazia que eu tinha deixado minha bicicleta em uma oficina e nunca mais ter ido pegar porque eu não sabia pedalar chorando. fazia um ano que eu tinha esfregado a minha voz contra um paredão de pedra-granito para que ela tivesse medo de sair de casa. que eu não tinha mais barba nenhuma porque meu antigo namorado resolveu ficar velho sozinho e que na verdade eu só gostava da barba dele porque eu não tinha nenhuma e isso era uma coisa com a qual simplesmente eu tinha que lidar. eu não percebia mas a paisagem atrás da foto realmente estava mudando, eu comecei a gostar de rosa. às vezes eu conseguia sorrir para as pessoas e conhecia as suas casas. mas era como habitar um estômago. então eu sentia nojo, a biologia me detestava. mas aí eu coloquei um anúncio no jornal. o anúncio dizia: "ninguém lê jornal". ninguém me ligou na mesma hora. combinamos de dividir nomes para uma bergamota, eu chamava de bergamota ele de tangerina, tudo isso enquanto as comíamos (eu detestava bergamota mas a chamava mesmo assim por orgulho). com vergonha da vergonha, tive que engolir as sementes, seis semanas depois minha amiga riu quando disse estar com medo de estar grávida de uma árvore. ninguém me contou que era homem e mulher que trabalhava e não trabalhava e que a única certeza que tinha era que nunca mais usaria calças. detestava. mas sua voz era muito feia e paramos de nos falar. contudo ele/ela tinha um sinal na bochecha que parecia uma castanha. aquela pequena impressão de unicidade me deu revitalizou o teatro bombardeado. me deu vontade de voltar a escrever. eu tinha 22 anos e não tinha conseguido ser surfista, nem patinadora, baixista ou redatora de cartas de rompimento anônimas ou pesquisadora de onomatopéias. mas eu tinha a ideia para um livro. para isso, tinha que escrever, em tese. mas eu não me dava bem com meus pais e morava com eles. todos meus amigos eram gays e naquela época talvez eu fosse e meus pais faziam cara feia para isso. eu nunca estava em casa. e só conseguia dormir no sofá porque não tinha forças de subir as escadas e encontrar sempre a mesma coisa: um lugar onde não havia ninguém nem eu mesmo. eu cheguei para meus pais e disse: vou estudar história da arte. minha mãe está surda até hoje e eu minto que sou loira ainda. nós brigávamos porque eu usava blazer e não era os anos 80 mais faziam 20 anos. depois de uma briga minha pele concretava toda e eu não conseguia flexibilizar os ângulos necessários para escrever. eu estava confusa. meu gato fazia xixi nas roupas que estavam no chão do meu quarto. eu não tinha mais o que usar. eu jogava tudo no chão. tinha decidido parar de fazer sexo. não concordava com o fato de não poder inventar novas palavras na primeira conversa com alguém. era muito exigente ou nada exigente. uma vez cheguei em casa e pensei quem é essa mulher? é tua irmã respondeu meu pai. eu não fazia ideia. todo dia eu colocava um relógio no pulso para enganar a todos que eu era íntima do relógio. eu não sabia nem ler os ponteiros. mas tinha a impressão de que o braço cairia se não usasse algo assassinadamente realista como um relógio. eu só sabia que precisava aprender russo e parar de procurar nos reflexos dos restaurantes alguma conversa que eu tinha esquecido de ter com alguém. eu saía por aí recolhendo qualquer material de construção e dizia, no futuro, esse cupom de pipoca será importante. um dia irei decorar toda minha casa com tudo que eu esqueci de dizer para aquela mulher. teve uma vez, estava eu e mais três amigos, todos tido o figurino escolhido por um terremoto. nós abrimos uma cerveja, naquele tempo bebíamos muito e dissemos em voz alta: o que acontece se nós levarmos uma sacola dentro da sacola? eu tenho 22 anos, uma bagagem só de malas, e um dia só sabe existir tropeçando no outro.
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