quarta-feira, 14 de março de 2018

as caras

uma família tentou contar aos jornais sobre o desaparecimento de uma rua. os jornais telefonaram para a prefeitura a prefeitura telefonou para os jornais que disseram o que já achavam que sabiam: naquele ponte exato ali nunca teve rua alguma. ali é um rio. os jornais telefonaram para o setor de língua portuguesa do próprio jornal, que fica ao lado do setor jurídico, embora todos eles, incluindo a redação metropolitana, fiquem um ao lado do outro no mesmo andar. contou o setor: uma rua é um lugar que possui uma ou duas calçadas. é considerada rua o local com a) espaço de passagem e b) espaço de permanência. uma rua é uma alocação onde é possível ir e vir, vir e ir. e o mais essencial: uma rua só pode ser considerada rua se existe a presença de pedestres. há alguém lá? perguntou o jornal. agora não tem mais mas antes tinha. a rua tinha, respondeu a família. esta rua, pode até ser um córrego, pode até mesmo ser um canal, destes que cortam a nossa cidade, água sobre terra. mas não é uma rua e portanto não pode desaparecer respondeu o repórter do jornal e desligou o telefone na cara deles. só que eles, a família, ainda estavam ali, pessoalmente em sua frente, e não usavam o aparelho. ficaram algum tempo olhando a feição do jornalista virar outra coisa, enquanto imaginavam para onde tinham sido levadas suas casas, inteiras ou despedaçadas?, imaginavam com a barriga para auxiliar a caber tal imagem. um dia os telefones também deixarão de existir, seja à mando ou à natural, tudo terá que ser coletado do rosto, aí eu quero ver.

Nenhum comentário: