I
um dia houve no mundo um homem que confiou em uma palavra até o final. no seu significado até o final. mesmo sabendo que o sentido de uma palavra é algo muito particular. até o final. este homem usava a palavra como um facão sem cabo. para começar uma briga e para terminá-la. e eram muitas. dizem que quando velho se recolheu em uma cabana no interior do estado. falava sozinho. as pessoas o povoado viraram a cara, não entendiam. já as crianças o adoravam. iam muito a sua casa, levavam comida e jogavam xadrez.
II
um dia houve no mundo uma mulher que jurava que sua palavra existia até o final. a palavra era baupuca. baupuca é a situação onde uma pessoa se encontra na qual ela saiu vencedora mas as pessoas não a tratam bem por isso mas pelo fato de acharem que possui pouco tempo de vida. a mulher levou a palavra para uma audição na academia das letras. foi constatado por meio de votação que a palavra poderia existir, embora fosse uma antecipação de algo que talvez ainda não existisse, mas que caso adentrasse a ordem dos dicionários deveria ter a grafia corretamente escrita com a letra L ao invés da letra U. a mulher discordou tanto que quando girou a cabeça os pés foram juntos. alguém disse: esta mulher está tendo um paratiquieto. mas o presidente da academia, um tipo figurão, disse que não, que era impossível, pois esta palavra não existia. enquanto uns gritavam, outros arranhavam as mesas de madeira antiga, a mulher foi embora.
a mulher então sentou-se no fio da calçada. ao lado dela notou um senhor que poderia ou não morar ali na rua mesmo, embaixo de uma marquise. ela disse como quem sussurra (que é a definição daquilo que escapa com nossa autoridade) tudo isso por causa da baupuca. baupuca? disse o homem. verdade. sei como é. a mulher então ficou bem menos triste que antes mas não o suficientemente alegre, o fato é que a palavra esta ainda não foi inventada.
III
uma vez uma criança recebeu uma palavra via o sono. ela não contou para ninguém. estava em uma missão. uma missão secreta. ela tentou enfiar as palavras em todos os lugares para ver se ela pegava. para ver se ela encaixava. ela dizia: mãe porque meu lanche hoje está tão uclivo? mas a mãe só disse: não reclame. a verdade é que fora passada a ela a palavra, mas o significado ainda era um mistério a ser descoberto, por isso o plano de jogá-lo no mundo feito isca de anzol. na sala de aula, durante a contação de histórias, fez um comentário: sobre a história nem boa nem ruim: só sei que faltou uclivo. uma criança riu, outra chorou, o que a confundiu ainda mais. no fim do dia, exausta, deitou no sofá enquanto comia os restos de bolinho de chuva do final de semana. não cabia à ela salvar o mundo dos adultos. a veio a mente o caso de uclivo não ser a palavra real de sua missão mas apenas uma palavra para palavras temporárias. uma palavra para palavras que ainda não chegaram. eu uclivo, tu uclivas. vós uclivais. conjulgou-a como verbo várias vezes até pegar no sono.
IV
uma vez uma pessoa tentou se vingar do mundo. ela pegou uma palavra que todo mundo
adorava e deu um cheiro para ela que todo mundo detestava. digamos. era uma palavra como. digamos. a palavra doce. bombas de cheiro explodiam na cidade. o homem dizia a imprensa: eis o nome disso é. como imaginou o homem o nome não foi mais forte que o cheiro o bastante para fazer o cheiro ser agradável só porque a palavra era agradável. mas esqueceu-se o homem que uma boa palavra é muito mais que uma palavra só. guloseimas voltou rapidamente a moda.
V
uma vez um homem usou uma palavra para tentar ganhar uma eleição. a cidade era muito pobre, então ele inventou esta palavra: clâmula. ele a repetia em todo discurso, imaginando que seu eleitorado, por ser pobre, era burro, por ser burro confiava em alguém que conhecia palavras selvagens e que o mundo era maior por causa daquele que a fala. mas as pessoas eram inteligentes. usaram a mesma palavra quando o expulsaram do palanque. da cidade. ao contrário do que se pensava, a palavra não foi banida. virou um tipo palavra-estátua. para servir de exemplo. para nunca esquecer diziam os moradores. uma palavra corre o tempo, uma palavra pode guarda-costas do tempo. uma palavra pode ser adestrada, pode tudo, quando a palavra é nossa.
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