VI
uma palavra já foi usada também para reter um vazamento. ele era pequeno ou era grande-se e pensava-se pequeno. no início funcionou. depois, de improvável, a cola da palavra não se desmanchou, pior. virou já uma outra palavra. quando tentaram consertar, quando enfim, lembraram onde estava o vazamento do prédio inteirinho, não conseguiram a convencer a sair de lá. é muito complicado ganhar uma discussão com alguém (no caso algo) se não consegue-se nem ao menos o pronunciar direito.
VII
há muitos e muitos anos, antes do nosso país sequer pensar em vir ao mundo, existiu em outro continente um evento muito curioso. o que ocorreu é que havia uma grande cidade, mas um belo dia, em uma discussão na praça, no bar, no puteiro, ou nos três, ninguém sabia mais o que era uma cidade e chegou-se a conclusão que poderia ser qualquer coisa. várias pessoas resolveram então ter uma própria cidade, dentro desta falta de sentido. as cidades novas e velhas se reuniam nesta grande feira. vendia-se estátuas de bronze, tulipas, pedras vulcânicas (boas para massagem), peles de marsupiais (gigantes nessa época), absolutamente tudo. em um setor específico fazia-se um comércio muito singular e se você passa-se pelas banquinhas não veria quase nada, mas se, visse com os olhos, veria muita conversa sendo trocada, e talvez entenderia, ali negociava-se, vendia e se revendia, palavras. pessoas comuns, havia também, outros comerciantes ou agricultores, uns buscavam uma nova palavra, como por exemplo para sua nova cidade, rua, ou um filho que julgava muito especial, outros, nas mudanças de ares geopolíticas, gostariam de garantir pertencer para sempre, para suas cidades, palavras que julgavam empáticas, belas, elegantes, dignas do representar de sua personalidade ou do verde de suas ruas. havia um terceiro tipo (sempre há, é claro), aqueles que cansados de uma certa tipologia apenas pagavam para mudá-la, por tédio, esporte, ou desejo de poder e grandiosidade. por exemplo há a palavra anedota, que um dia significou novidade, e por uma briga familiar, uma humor de um alcoólatra, ou até mesmo vingança, dizem ter sido convertida à mando para o que hoje é. ou a palavra assassino que antes da negociata nesta ou outra feira, era apenas usada para denunciar aqueles que gostavam de haxixi, uma bebida alcoólica vinda da maconha, e que fora comprada ou roubada, por aqueles que não eram árabes, de onde antes pertenciam esta palavra. há boatos de que essa feira possa existir até hoje.
VIII
um vez uma pessoa muito importante mas ao mesmo tempo com auto-estima muito baixa leu uma carta que veio do outro lado do mundo. nesta época na verdade não havia cartas. papeis, nem mesmo, tábuas de argila. mas sim um mensageiro que andava de um reino a outro carregando uma mensagem e no seu destino a destilava cuidadosamente em voz alta. certa vez o mensageiro estava gripado e quando esta pessoa foi ouvir a tal carta, não entendeu uma das palavras. fora mandado então, depois de algum tempo, uma mensagem em resposta, e na dúvida, na vergonha de não entender e talvez comprovar-se burro e desletrado, esta pessoa colocou a tal palavra também em sua mensagem. os dois reinos então ficaram muito próximos, ninguém sabe até hoje porque, mas hoje fazem parte do mesmo país.
IX
havia uma senhora que sempre saía de casa com uma palavra dentro da mão. é que ela cuidava muito dessa palavra. não, não era uma senha. nem o nome de um médio ou uma erva milagrosa. ela sentia que a palavra era multiuso, portanto estava segura, poderia sim virar um degrau ou um salva-vidas a qualquer momento. havia uma variedade muito grande na morfologia da palavra. poderia ser usada em qualquer situação. era como um amuleto. quando retornava para casa, às vezes tinha que fazer compressas na mão, mergulha-las em folhas de maracujá. a senhora tinha atrite. palavra aliás que não gostava, é claro.
X
uma vez um menino saiu por aí oferecendo uma palavra. todo dia por alguns anos. batia na porta das pessoas oferecendo a palavra. quando uma garota o achava simpático ele ao invés de usar as suas palavras não. usava esta palavra. ele tentava oferecer a palavra para o máximo de lugares possíveis, até mesmo, food trucks de cachorro quente ou até para o cães levados a passear no parque. o plano do menino era simples: quanto mais oferecesse a palavra mais ela cresceria, maior assim, ele seria. o menino só se embrulhou em uma questão. guardava a palavra no bolso da calça, e não na bolsa da camisa, ou até dentro do peito, como a maioria. na hora de tirá-la, caiam diversas outras coisas, algumas pessoas pessoas se assustavam, outras, por ele não a olhar mais nos olhos desconfiavam. não se sabe o que ocorreu com o menino. mas a palavra continua aí.
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