quarta-feira, 14 de julho de 2010

julho dos mantras incompreensíveis

à L.H.

Logo tudo isso vai passar, essa plenitude de abalos, marasmo no paralelo do desassossego. Você vai observar os monstros fazerem dieta, e eles realmente diminuíram de tamanho, acompanhará de perto a boa educação das manhãs, e derrepente ela terá lindos olhos, de profunda segurança. Vai ser ir o tempo que essa cidade era o cenário de uma exumação, a sua, todos os santos ofereceram ajuda em um café e você responderá que seria desperdício de milagre, pois tudo estará bem. Grande coisa se o vento tem outros planos para o seu penteado, desviando-o em rodopios, gerados de futuros atrasos no banheiro.

Encarará as mudanças de hábito e de estação com devolução de ares, suspiros. As pessoas falaram pra você “quanto está mudada” e ficará triste por elas realmente não te conhecerem mas nem liga. Há muito para se pensar quando o seu banco da praça preferido, aquele com todas as madeiras verdes no lugar, debaixo da figueira e do monumento à Mario Quinta, está vazio demostrando a dedicação de vê-la de novo. Nessas horas, na folga do almoço você lerá os poetas modernistas ignorando a renite, as passarela de almas barulhentas na avenida, o acasalamento das pombas em uma distância próxima,e principalmente, os afrescos de memórias recentes, que embora emolduradas e já a venda, cismam que ainda não estão acabadas.

Aproveitara as tardes com leveza do tecido das águas, quando em dias calmos. Imaginará que ela é uma tia velha e sozinha, esforçando-a para diverti-la o máximo e mostrar como os prédios foram feitos pelos fãs de pipa e como é preciso apalpar com os pés as lajotas da calçada para que não cresçam e formem muros nada simpáticos. Aos seus amigos, ensinará a política dos abraços na chegada, e dois na despidida, um a mais caso demorem para se ver. Com sempre, alguns deles estaram mais cansados do que o normal, pois de olhos fatigados gastaram energia para caçar novos frustrações. Você responderá com madressilvas e um balde de auto-ironia, descarga de choques. O transito afogado que devia a levar ao centro vai dar tempo de sobra para pensar numa carta que deve ganhar vida, e que ganhará quando chegar em casa e se derreter em uma escrivaninha, compenetrada na missão do exagero das palavras. Depois sua criação boiará numa mochila, esperando a decisão de imigrar ou não para o destino primeiro pensado.Você discorda do destinatário e resolve mudá-lo, adicionando a palavra amor no início do texto. Nós, os usufruidores de amor constante, sempre compramos roupa além do número esperando crescer e crescer, sempre lembramos de regar as samambaias e meditar sobre os peixes, caricaturar o invisível para ter um anúncio de esperança, sempre damos atenção a gota da gota, raspamos o pote até um cansaço. Você não foge a regra. Possui em descências de vida, a vontade maciça de conhecer acimentado, submergir naquele ato desaforado que foi um beijo a três, vocês dois e a incomoda imaginação. Que se dane a realidade, você vestirá pantufas e saíra no meio do lamaçal procurando gosto de ternura. Não há temo ruim, no outono a folhas ficam mais perto de nós e só.

Não impedirá a altura de conquistar novas vitimas, sempre traduzindo vicissitudes com a eloqüência do primeiro olhar, pegará aviões e as auto-estradas, as câmaras escuras e os mirantes ribeirinhos, reconhecerá um fio de felicidade pela capacidade de depois de se ruir e fatigar, virar gente decidida. As incertezas que se danem, são como aquele cubo mágico, quanto mais se pensa pior fica, e quem decifra é louco atestado e sem reparação.Não se rebaixará nem para os pequenos mistérios, portas de ferro, toneladas e toneladas de espessura, que sem desistir ficará batendo palma e dizendo, alguém aí, alguém aí, a sua curiosidade são os degraus da escada de sua determinação ferrenha. A cidade, você a verá com mais surdez. Perdoará os apertões de junho, como a velocidade da atmosfera, e a visita do que é sempre marginal, a angustia do sol tapado. Tudo vai ficar bem. Ataques de euforia sem controle do bom senso, nos atacaram em cheio, num bar, reunião matinal, numa refeição, e eu te olharei para tu saber que aí eu estaciono e fico, o quanto essa vida desejar, o quanto essa vida rodopiar em rotas obliquoas. Por entendimento, dispensarei o eu te avisei, e tu dispensara o obrigada, apenas reafirmando o gosto pela paleta de cores que antes pensava apenas serem cores quentes e frias, pouca liberdade para a imaginação. Nunca mais tocaremos no assunto mas lembrarei do dia em que sua ternura voltou a se apresentar com um sorriso fiel, aberto aos extremos da vida, as escalas de sinceridade.

Na noite que se instalava, sentou-se automática e de quebra-rotina em uma mureta na entrada da faculdade. Era inverno mas estava quente, e uivo em força de vento que chegava arrebentado, fazia serviço ao seu bem-estar, a fuga de calor era de boa-fé. Imadiatamente, se viu no campo, tonalidades marrons, entre os verdes do verão, com as montanhas a contornando assim, essencial e bonita. Era inverno. e o céu escuro acelerava em brilho, anunciando clareza no avanço do calendario. Percebeu que aquela memória não era sua, as bromelias e os bichos passaros, o gosto da agua sem gosto da nascente deveria ser de um alguém balsamico. Talvez era até uma lembrança de um filme, uma peça, ou até mesmo, dele. Era inverno do ano passado e você me dizia, agora tudo estava bem, olhos enxugados a pouco conservando-me do espetaculo.Engraçado essa coisa menina, que você tem, de ter de se esconder para fazer surpresa, se embrulhar pra impregnar fantasia.

Julho dos mantras incompreensiveis faz falta, mas sempre chega, com seu zunido de abertura, o carnaval dos ventos continentais na nossa avenida, flautas doces e violoncelos, escondidos por entre as camadas de roupa da rotina de meio-ano, com seus dedos a estalar rampas e descidas, um som indecifravel, língua de esperança, talvez veneno, talvez preciso, dando movimento aos desesperados, dança e dança. O pelotão das coisas imprevisíveis e coronárias se aprochega, profundo pra queda que deve se tomar, meditação para elevar-se, não santo, mas sim para vivente. Falta pouco, está quase aí.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

sobre aquele inconfundível e soberano

A pobre sequer degustou o prazer do entendimento. Foi depois de uma reunião, sobre a campanha de uma empresa nova de palmilhas para tênis de atletismo. O moreno de rosto limpo e pele macia, pôs-se a sua frente, e começou a praticar barulhos; abaixou as janelas, trancou as portas, sapatiou no piso na esperança de se acalmar, e assim, com o peito a salpicar a camisa e as mãos a acharem lugar na testa de expressões exageradas pela primeira vez, disse numa rapidez estonteante “queria avisar que não posso aguentar isso, tem que acabar agora, esses olhos, não posso com esses castanhos”. E amenina de longos cabelos pretos, plano de fundo de mundo a construir, foi aí, que a graciosa abriu mais aqueles castanhos fogaréis circulares e não os desviou até que pelo menos sentisse que veria uma resposta, que no caso não veio assim pelo mesmo modo que a dúvida, através das palavras, mas sim por uma sensação viril e temida, que começou entre os braços foi desvanecendo até encontrar o limite dos pés com o chão. Lembrou de que, a semanas atrás prestava mais atenção no homem, único homem a usar gravata naquela agência, que estranho, tão moço e sem necessidade, quando se botava a pensar nos vôos dos segundos, quando percebia estava a delinear o rosto dele com as próprias vistas, assim sem perceber ou querer, apenas dando aos pensamentos a característica das velas em alto-mar, recordou que mesmo que seus turnos não coincidissem, o via diariamente nas memórias de encontros casuais no café, em entabulamentos no estacionamento e coisas do tipo, momentos em que nada falaram até porque não tinham o que falar, e mais até, fugiam dessa troca de vocabulário. Agora ele desapertava a gravata, pois tinha medo do nervosismo que mancha, a camisa, a pele, o tempo, e olharam ambos para o chão. A jovem, já entendida, deu a ele a concordância desejada “também não tenho tempo para desvios, quero viver tranquilamente sem alguém que fique dentro de meus pensares a dar expectativas, não posso continuar a ter que corresponder a altura de teus olhares”, e logo sentou-se, assustada do que acabara de falar, vindo de lugar que desconhecia, pasma estatuou-se. O moreno surpreendido, porque palavra praquilo tudo não tinha escolhido antes, e as ditas, lhe pareciam sem sentido, mas por natureza desconhecida as dela o faziam algum sentido, por um instante ficou aliviado e imaginou borboletas a decorar a sala e um refresco a acobertar o corpo. “Pois bem, está combinado, vamos parar por aqui”, “Claro, acho melhor, é o que mais queremos”, “sem nervos tensionados e respiração abreviada”, “sem olhadas inesperadas, sem porque através dos arquivos”. Fartos de tanto comprometimento mútuo, felizes estavam ambos. Tanto é que no ato de selar aquele acordo, deram-se as mãos imediatamente, ato que fez o sorriso antes selado no rosto amolecer vagarosamente, pois, coisa que o moreno não tinha pensado, é que ela entendeu completamente, coisa só possível se ela sentisse o mesmo completamente, coisa que só é possível, se aquela fascinação não fosse só dele apenas, mas daí já era demais, quando ambos perceberam isso, as mãos já tinham ido ao encontro uma da outra, e na pele sem distância, nenhum sucesso teriam em tentar afastar um problema bem menor, que era o instinto dos olhos.
De volta a escassez das palavras, foram pegos.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Um homem bom

Encarava-me com facilidade, porque via em mim o que precisava - segurança talvez. Era impossível pensar naquelas mãos um dia jovens, e mais improvável ainda, crer que delas saíssem um gesto afável, sóbrio, involuntário. Era pro seu cigarro empinado entre os dedos, malabarista de pouca vida, que dedicava a relutante atenção, pois o passeio que a imagem de seu rosto pode proporcionar, remeteria há um passado do qual custei para sair. Lembro que era mais magra ou talvez fossem as roupas , não, era o sorriso, sim, como era bonita, uma dama sempre comprometida a fazer de qualquer situação um suspiro. A idade, aquilo que não perdoa, ruía pelas irregularidades do piso a limpar, e se manifestava também na disposição da sala, nos hábitos, no longo silêncio o que vive pelo desperdício.

Eu retorcia-me para esclarecer, porque o relógio a corda, grande e sem serventia, merecia um lugar tão abrangente - ocupava o centro da parede principal. Aposto que os tendões quebradiços por dentro dos braços, cobertos por uma camisa com estampas tropicais que exalavam cores contraditórias pois irradiantes, não seriam capazes de ceder a força necessária para o seu funcionamento. Fazia questão dela própria não dar corda ao objeto, consciência de querer pra si mesma mais tempo – não suportar a ameaça de face aberta. Notei alguns pelos órfãos sobre o carpete verde-musgo, devia ser o gato pensei, mas não o vi. Provavelmente está na rua - os gatos precisam estar constantemente pelas ruas afiando suas garras em um asfalto ofensivo exercendo uma liberdade estranha, a de passar trabalho – conclui em uma auto-agressão; rota de contentação fácil.

Esperávamos Mateo há duas horas contadas incisivamente, tanto que eu rabugiava com a cadeira, teimava com as tábuas aprendizes de soltas, o vaso art noveau, o cinzeiro sem espaço, vago que resumia a minha situação, farto. Até então, tinha me perguntado sobre a exposição na galeria Independência, e só. Disse que Mateo tinha ficado lindo mais do que a realidade capta naquelas fotos. Eu concordei com um sorriso frouxo, enquanto arrastava os olhos imperceptivelmente para fora do eixo de sua visão. Mateo é realmente lindo, tanta tela que merece os olhos dos mais distintos. Naquele dia, na exposição, os dele eu não vi. Não apareceu.
Devia estar por essa terra fazendo sei lá o que, sei lá o que, nessa época de vacas magras: vivendo no seu sentido defasado e estranho que transmite-se como se perdendo: abortando um sonhos deficientes, criando umas mágoas coletivas botando o colírio de lado e a necessidade em todo canto todo quarto: eliminando desconhecidos, se apresentando com uma bebida barata e um desperdício de palavras que seduz só porque vem dele. Já faz muito que eu nem saio, penso ficar em casa, rodeado de tintas tidas como possibilidades, a ponto de enganar as ideais com a possibilidade que vaza entre o limiar entre a criação e a realidade. Devia estar por aí, por sorte de tão inimaginável não me conquista a ocupação o pensamento.
Ela sabia. Parecia que estava prestes a dizer alguma coisa, uma pergunta que resgatasse talvez um segredo. Balançava-se continuadamente na cadeira, como seus pés inchados dentro do sapato de pano de inverno, de esconderijo.

- Vou pegar um café - ela disse
- Está tarde é melhor eu ir.
- Fique. Por favor.
Na volta, não trouxe café.
- Eu esqueci, o médico mandou parar. Na minha idade as coisas vão parando aos
poucos, até não ter mais o que funcionar.

Encarei-a demoradamente pela primeira vez. Não sei porque, mas ela sempre pareceu gostar muito de mim. Pode ser que pelo fato de eu sempre atender o telefone quando ela ligava, pois seu filho não liga pra ninguém. Agradecia pela criança que eu cuidava e que ela foi obrigada a ceder ao mundo, um dos que menos conhecia. De fato, quando Mateo estava comigo, se é que algum dia realmente existiu essa possibilidade, deformidade da sua personalidade, percebia que ela flertava mais com bons momentos, tornado-se outra, despreocupada. Nos fazia um bolo de cenoura a cada semana, deixava lá no térreo do apartamento da Praia de Belas, dona da certeza que mais tarde alguém iria agradecer e alguém ia.

Me limitava a não pensar como seria a rotina daquela casa, como ela criou suas próprias estratégias de ultrapassar as os dias. Nada ali era meu ou viria a ser, agora já passava da meia-noite, no outro dia a semana retomaria o progresso, ou apenas retomaria, eu passaria além desse portão de ferro com tinta a sair, da rua magra de natureza lembraria quase nada. Mas até lá parecia haver uma impossibilidade tremenda, tal como a de estabelecer comunicação com essa mulher de que nada sei.

Agora olhando uma quadro, poucos dos poucos, escondido atrás da estante de livros de culinária e esoterismo, lembro de tudo. O menino que passou no vestibular para saber que aqui também, era uma das coisas pra qual não tinha nenhuma intimidade, embora intimida-se tudo que se poste perto. Primeira semana, atrasado e recheado de desaforos, sem uma pasta um livro uma demonstração de interesse, senta na primeira fileira e dorme. Não pintava desenhava, esculpia, que nada. Apenas escrevia umas músicas, uma melodia breve porque energética, em alguns guardanapos quando lembrava de levar ao menos uma caneta no bolso. Nunca falei com ele nunca tive coragem de sequer ir falar com ele, misto do meu desprezo e da minha atenção entregue.

Ela me oferece um cigarro e esse eu aceito, a essa milhagem já não se diferencia tanto do correto. Porque me chamou hoje a noite? Entre os tijolos vernizados e as madeiras recicladas, alguns metro quadrados dessa residência, não saindo do próprio bairro durante os dias da semana mais úteis, dizem mão sabe, mãe conhece,a mãe é que entende. Por que Mateo voltou a morar com ela e ainda não tinha voltado da noite (sua perna cruzada balança ainda mais) a verdade é que sabe bem onde está seu homem, (a cinza do cigarro não fumado se acumula em um equilíbrio limite), sentado no cordão de uma calçada merecida aos incontroláveis, fuma e bebe fuma e bebe e ela fecha os olhos com força (ela trinca os dentes e apriona a fala).

Sabe, eu também amei um coitado pensando que o coitado era eu, também eu confundi encontro com choque, alteridade com quebra de rotina. Também eu pedi o céu pedi aos céus fui atrás de religião terreiro todas alternativas africanas centro espírita ajuda médica ajuda mecânica Lancan ou Freud ofereci crença a todos os credos merchandisings desperdicei tudo o dinheiro uma cachacinha boa uma viagem a Venezuela para recomeçar do zero é preciso manter o controle meditação yoga passeio de bicicleta é preciso levantar cedo e recolher a sujeira ignorar aquilo que não é como deve ser e graças a deus não é que assim prova de que tu não vive sozinho. Mais uma vez, Mateo e chega chega. Amigos já não te cumprimentam mais nossos amigos já não me respondem mais com euforia quem paga as contas é eu quem me levanta na madrugada chorando dizendo que vai mudar que não agüenta mais que quer o redondo do mundo para poder correr por todo canto mas com direção vai largar vai largar e eu pergunto quanto dinheiro ainda tem na carteira e peço pra ver teus braços e tu se nega meu deus ele me nega até a imagem dos braços mas eu os conheço bem os do banho de vez enquanto esfrego bem as feridas passo soro fisiológico tento desinfeccionar com tudo mas como sempre acabo os beijando e não resisto te boto na cama na boca e te beijo como sempre como se fosse machucado em uma brincadeira contra o destino que o fez virar adulto antes da criança com dez mãos seguro seu peito assim controlando minhas mãos fazendo da tua vida a minha criação monitoro a fluidez do teu pulmão as batidas do lado esquerdo preciso saber que elas estão ainda lá depois vindo a lacrimejar ainda com o rosto no sue pescoço você quando dorme faz me rejuvenescer toda a angústia que me causa em mares quando diz que me ama mas não enxergo nem você nem essa coisa estranha que insiste com fé cambaleante em fuga que é amor.Que é o amor, prometi não ser uma promessa e te errei, apenas esqueça se é que é amor.

O deixo, a entrega do presente é essa que agora me acompanha em um tempo rastejante, essa passividade aparente, é o dourado a sair dos fios de cabelo, a senhora que espera o filho chegar. Ela que divide comigo o que nos tira o sentido da possibilidade, a falta e o desespero. Entre os variáveis argumentos que poderia ter escolhido para não vir aqui hoje, não fiz uso de nenhum e o porque dê, despenca a razão. Permaneço na espera, uma dependência nada sadia. Não teria forças para dar corda naquele relógio, para ver ele ser o único a se locomover. E agora fito a mulher na minha frente, de novo, quem é, dois que compartilham o azar ou o carinho. Mateo não voltará hoje, eu estou certo disso. Mateo não costuma dar adeus para não dar esperança. Quando um dia ele está retornando para a sua casa, inventa uma crise para não ser o que era antes e dobra uma esquina depois, pega um ônibus vazio e para quando cansar de procurar. Enquanto isso, nós ficamos aqui fazendo o que ele não faz, se preocupar, amar que permitido pela brevidade das coisas, as coisas feitas para se importar.

Vejo que a senhora cedeu suas forças ao sono, Rita parece acostumada a ceder mas sempre para o bem, para o bem. É melhor eu insistir em permanecer aqui, talvez passar a noite. Assim dá tempo de eu dar uma arrumada no quarto de Mateo, a última coisa que eu queria é que ela encontrasse alguma prova do que já conhece mas não acessa na razão. Encubro a mulher com uma colcha, seu maxilar desbanca sobre o tecido da poltrona, tranqüilo. Espero que imagine e que seja belo como no tempo que tudo que tinha era essa imaginação.

Lá onde a pele se enverga perto da narina direita, próxima a bochecha bem preenchida, noites mal dormidas, me abaixo e deixou um beijo. Talvez amanhã eu volte a vê-la de novo.
Os gatos sempre retornam.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

as que teimam

Eu vejo crime nos teus olhos mon chéri. Sei disso mesmo ignorando esse abuso de preto profundo que tu chama de maquiagem, mancha de petróleo gigantesca em torno desse mar aberto que é o azul dessas tuas vistas, caixa de correio, arma de hipnose. Sei de tudo, porque em uma deproposital virada de canto sem querer a percebi inteira. Enxerguei - além da meia-calça estrategicamente cortada e da camiseta decotada cuidadosamente escolhida pra guerra - uma vontade de escrever uma história, a tua, dessa noite. E eu sei reconhecer uma história quando vejo uma.

Encaixotando aula logo em início de noite-semana, inevitavelmente a minha cabeça retoma ao momento que tu falava em mudar mudar mudar, seguido de eu sei que tu vai achar idiota, e eu apenas pensava, se é pra ter a cabeça girando, melhor que seja na pista de dança. E aquele plano de guiar-se rumo ao interior indo rumo ao interior do estado, lama e roupas de tia, galochas e pele banquete de mosquito, o que aconteceu. Enjoou do verdizinho, tão insistente e monocromático, não conseguiu conviver sem saber qual era o grupo terrorista mais mainstream e a beldade mais liquidada pelos tablóides, se chateou do papo com os pássaros, os coelhinhos, do contato com a natureza viu que ela também busca contato, coelhinhos com coelhinhos, passarinhos com passarinhos, enfim, sexo sexo sexo, o mesmo bafafá de quem ficou com quem em qual lado da vegetação pampeira. Desistiu de ir estudar na Espanha?Entre catalões, bascos e castelhanos prefirou não prefirir, não ter que economizar o dinheiro da macoinha, não estudar tanto, aulas de espanhol sábado de manhã e filmes da península ibérica sem legenda na hora de dormir, horror horror.

Vamos fingir adivinha-adivinha, eu digo direitinho o que você é e quer e você responde sendo ou não. Digo, a tua juventude é fraca, e tu chora vendo uma criança perdida no meu de um flora e fauna humana gigantesca, e ela de tão apavorada não grita então percebe, a criança é você, teu amor é um moinho, e derrepente tu bebi um copinho de cerveja e da umas olhadas enigmática por trás do balcão, procura um homem que queira brincar de ser garoto, um ar novo para um choro sempre à secar, tu sente necessidade é de viver presa, e tu me pede um abraço e como sempre quando se trata de usar as duas mãos, espera que eu me dirija a ti, eu te aperto pra testar se você reclama da pressão mas pelo oposto, parece gostar bstante, tua mania é o silêncio, e tu está no quarto televisão ligada, livro aberto, mp3 funcionando e tenta adivinhar qual era o quadro que estava pendurado naquele prego agora tão só ao lado do teu guarda roupa.

Tu é uma menina sempre menina criada com pais que sempre lhe deram boas músicas, à sombra de um cinema de europa, faces bem construidas, guabardinis, espumante, mais do que ao acaso, descpobriu que essas músicas tristes e o cinema do norte tinham inspiração nessa vida, que agora se apresenta tão bem pra ti, sempre regada a uma melancolia que é da idade, que é de sempre. Naquele pincel que te davam pra fazer um desneho livre quando a aula no colégio se aproximava do fim,era tão fácil desenhar uma casinha e tudo o mais. Me intristece tu não levar mais lápis de cor dentro da tua bolsa.

Hoje vagarás sobre essa rua atrás do desperdício, com barriga grande. Entrará em locais lotados, se assmiliarizara com seus movimentos padrões pra se esquecer de toda vez que não reagiu a uma frase que poderia trazer aquela oportunidade de sair com ele, se ser amiga dela. Fará questão de ignorar o serviço dos táxis, mesmo guardando dinheiro colhido durante o mês que testou a paciência e reprovou a si mesma, pois irá a pé para se sentir a mercê da noite e seus convidados. Em um bar reconhecido, Ao lado do banheira, à esquerda de quem sai, reconhecerá uns amigos, aceitará um drink levezinho pra varre todo aquele peso de tomar decisões. Eles a convidaram pra uma festa, lá na zona sul, apartamento do filho que é irmão de alguém, ex namorado de alguém e você abaiixa os olhos esperando que alguém insista e de previsto insistem, e você aceita. Hoje não usará drogas, ainda lembra do início do ano da sensação de fim do início do ano, e apenas usara as pernas sem bom senso e a boca pretensiosa.

Eu queria estar contigo, te dar um passe um viva la vie, poder entrar no banheiro feminino contigo e dar alguns conselhos sobre o que fazer com quem fazer. Queria resgatar nossa conversa da mesmice falando, você lembra daquele dia, foi tão bonito. Pegar todos os pedaços do desenho que você fez e rasgou na mesmo hora e te mostrar que você quase deixou um pedaço seu por aí. Mas talvez assim seja melhor pra ti. Tu sai pela madrugada a envelhecer, a procura dele mais crente de que ele está a tua procura, porque se perguntassem tu responderia, ele que não apareça na minha frente. Já sei, isso explica tudo. Por isso tu sai sozinha, e gosta da companhia de homens desconhecidos, porque no bar do Mario, na esquina da independência, algum cafundó com música pra se perder, ele pode estar bem vestido e bem bonito, ele sempre tão bonito e tão bem vestido, e você logo estará tão bem bêbada e sem classe, que já não terá que se preocupar em quais desculpas usar depois,como explicar aos amigos, ao cachorro que reconhecerá o cheiro, ao espelho que provará a catástrofe. Quer que ele te agarre sem querer, sem muito bem entender, para que não precise sentar em um café num domingo nublado e conversar conversar, discutiir discutir, tentar descubrir quem é aquela pessoa de belos dentes e barba rasa, não precisar ouvir que ele te ama repartindo-se também entre as outras.

Agora você se despede de mim, me dá um beijo no ar, que não chega a encostar na bochecha direita. Diz que amanhã me liga, que sábado vai ter sol e exige uma corrida no parque, uma visita a feira no centro, um filmeco lacrimal bordado com chocolate. Parece que tu sabe pagar muito bem essas penitências, tu é tão linda tão linda mas tão esquiva a quem te diz isso, tão desprotegida por traz dessa independência imatura. Solta minha conversa e vira as costas, abrindo caminho na inércia da avenida. O teu maior crime é viver a mesma históra xuxu, aquela que sempre te doeu por inteira, mas o amor é assim, tira pedacinho por pedacinho e o resto a gente gasta tentando achar substituto. Amanhã me liga e diz que ta bem porque ainda viva, o resto a gente resolve depois. Espero que tu encontre o que tanto procura nessas migrações noturnas, espero que tu o veja mas não enxergue nada nada mesmo. O teu sonho pequena, tu vai conhecer só mesmo depois de acordar.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Chá de São Telmo

Antônio observa a chaleira a esquentar com certa inveja do seu calor.Nota a água quente descolando-se e inundando o ar, pasmo. Conhecia a sensação de ser deixado, assim, aos poucos.E se muito conhecera dos números, não deu conta de suas somas, que o amor de dois é feito de mais encontros que desencontros, que de Maria tem é mais promessas e memórias, do que olhos de confronto e sorrires de conforto.
Parece que tudo que os restou foi aquele chá. É pela manhã, na hora do chá preto, e pela noitinha, hora do chá de camomila que ele tem a oportunidade de visitar o rosto de sua mulher, sempre tão atarefada que só ela. O pobre seu-homem apressa o dia a passar mais rápido, antecipa os relatórios no serviço, encharca as flores além da conta e sempre trás uma lembrancinha da Confeitaria da Rua Independência para Maria que muito corre e pouco vê.”O nosso amor é pequenas doses” – pensa Antônio e recorda da aversão doce que o chá de sua mulher tem.Não sabia desvendar há que época ficaram tão distantes .Ou até que época fingiam se entender de perto.As paredes altas de arquitetura extinta, os rodapés rendidos a poeira e os azulejos extensos por entre os cômodos, sempre tiveram o vazio que somente agora se apresenta.Talvez ele fosse para ela como um móvel apenas, naquela sala envernizada com tapetes indígenas, um vagabundo com fala alexandrina que adotou por falta de estupidez.Mas a amava.A prova eram os olhares esguios e inertes alimentando-se das voltas movimentadas de seu crespo, que para os apenas observadores ,era sinal de falta de capricho e que para ele, era a felicidade a passear por perto.Precisava abraçá-la em ossos, esconde-la do tempo por kilometros, vê-la nua ensopando-se da sua pele.Ou não.Só olhá-la até a convencer de ser ela seu mirante.Por que Antônio é desses homens que amam uma vês porque é apenas um amor – dizem, tal como a vida – que se pode ter.Era disposto a ceder seus cabelos bicolor, sua barba mediana, os olhos enrugados de sentidos, todos os confortos de seu singelo corpo, a um que o encorpasse de vez.
Não pode-se culpar o governo por tudo, e em São Telmo, ninguém culpa.”A Branca” além do branco da neve incessante e das nuvens em conflito, tinha também a cidade, a cor da pacificidade.As segundas feiras de manhã, Antônio comprava ração para pássaros, as “única beldades compreensivas”, na Avenida Metrópole.Era o mais longe que tinha que se movimentar dentro da cidade.Odiava o Ato número 19, e ainda mais aqueles que nada fizeram para impedir a sua vida-ganha.Viu cadeados sendo postos em cada ladrilho de sua infância e beco, parte da adolêcencia que não se gosta de lembrar, mas gosta de saber que ocorreu;homens cheirando a gula de fábrica criando enormes portões onde ele criava significância (de vida, talvez). Deslocarva-se quatro bairros para ir atrás da tal loja especializada, imagine.Passava por São Vicente, Cardone, Bela Terra e Iugo.E quando perdia o passe certo, tinha de voltar em casa e pegá-lo.Lembrava de quando as ruas eram abertas a todos, sem tanto controle .Por isso, informava com antecedência o seu destino para o controle de pedestres de São Telmo, domadores astutos em sua tarefa de fazer o circo circular, para evitar desconfortos com as autoridades.Em outros tempos, ele e Maria caminhavam por toda a cidade, passavam na feirinha de Clemente, tomavam um sorvete na praça e liam os franceses sem empatia, apenas por expressão.Agora com as ruas da cidade bloqueadas com esses grandes portões-de-aço-tudo-que-é-ruim- continua, fica difícil.Não fazia parte daquele homem de pequenos feitos mas grandes imaginários, essa distância tão aguda que o fazia desconfiar da humanidade.
A casa antiga era o que restou de material da líquida vida do pai de Antônio.Na corrida de cavalos, perdeu a companhia de uma esposa e o respeito de seu filho, que só por respeito aos desconhecidos, olhou em seu rosto até a última tomada de consciência, a espera de um pedido de desculpas que veio através de um testamento magro, que deu a morada em que vivem.Na sala retangular havia junto a espera, uma estante de livros esquecidos e uma TV sem antena.A cozinha americana Lembranças de bons momentos, e seguindo-se o corredor ausente de retratos não perturbadores, estavam os três quartos, o último no qual dormiam.Sua-mulher andava tratando a casa com desdém.A cidade de São Telmo a atrasava em muito,já que andar naquelas ruas bloqueadas por enormes fechaduras era o mesmo que desperdiçar respiradas dentro d´água;depois ainda tinha de abrir e fechar todas as portas corretamente em sua própria casa.Enquanto isso, Antônio andava pelas peças a procura do incontrolável, da realidade que vivia sem poderes maiores.Contava os azulejos com passo lesado e olhos apontados ao relógio de madeira ao lado da TV, ansioso por um som que dignasse um molho de chaves sendo carregado, com a missão de trazer ela sua-mulher até ele.Já que não vivia diariamente perto dos conflitos dos pneus em asfalto e dos zumzumzuns das próximas reviradas industriais, pois trabalha em casa, era o cansaço do silêncio o que mais o cansava.
Na última segunda-feira a noite, Antônio pôs-se a fazer o chá.Os pássaros não estavam com fome como imaginara, podia ser que eles não queriam comer – estavam tristes.Ficara triste ao perceber que o conforto propiciado por ele, não os atendia.Esquentou a água na chaleira prata, que reluzia o vazio que ele disfarçava.Sua-mulher já tinha chegado antes dele e estava no quarto.No telefone haviam se falado antes, ela disse não se sentir bem.Preocupava-se, e por isso, adicionou a torta de nozes “a preferida das preferidas” ao chá daquele inicio de noite.Sua-Mulher tossia alto, escutava-se da cozinha.Equilibrou os aperitivos sobre um longo prato segurando-o com apenas uma mão, para deixar a outra livre para as chaves.O ato 19 não bloqueava apenas as ruas, como impedia os cidadãos de livre circulação em suas casas.Depois de abrir três portas, Antônio encontrou sua-mulher a dormir, ainda em roupa de dia que se foi, com olhos a esconder-se de agora, alongados em cima de uma coberta a trocar.Deixou-a assim, não era a primeira vez que não ganharam a sorte da coincidência de seus tempos.

Assim eram todas as semanas.Quando Antônio acordava tarde, quando chegava na cozinha o chá já estava pronto e ela já havia partido.Quando a procurava na cozinha,a distância de três portas, ela já estava no quarto mergulhada em sono.A noite, ele ansioso, perdia as chaves no seu casaco extenso de inverno, e a distância exata de cinco portas a serem abertas e fechadas, sua-mulher já despedia-se do dia em sono.Na cama ele preenchia-se com as pernas e os seios sem resposta e incomunicáveis,embora naqueles momentos fossem seus em realidade, não era bem essa realidade que desejava.Será que ela toparia uma viagem a vila Madalena no final de semana?Não poderia fazer a pergunta naquele momento.Não podia privar alguém desse objeto tão em falta.Sua-mulher parecia cansada, seu sono alongava e tinha crises fortes de tosse.Numa noite, Antônio acordou com o dia um pretume lá fora.A tosse de sua-mulher aumentava consideravelmente.Ele próprio não sabia lidar com altura que chegava os ventos sonoros de sua garganta.Apertou-a, vendo nisso a coisa certa a fazer.O telefone para emergência estava na sala, distância de três portas.Pegou suas chaves e deixou-a a dormir.
Levantou-se, decidiu preparar uma chaleira. Já na cozinha, ouviu as tosses em aumentativo. Desesperou-se.Onde botara as chaves?Não estava no roupão, nem dentro dos armários. Chutou a porta, duas , três vezes.Mas eram rígidas feitas com material semelhante as que guardavam as ruas. Silêncio. Sentiu o estomago empacotar-se em volta de si próprio, a espinha separar-se dos ossos, só o medo de solução.Não encontrava saída, e Maria talvez estivesse desmaiada e a porta lacrada.As três portas lacradas, não encontrava as chaves e Maria talvez estivesse em perigo.Maria estava desmaida (será), não havia portas e muito menos suas chaves.Girando em volta de si mesmo,ele não caiu no chão.A Janela,janela aquela no décimo andar, em frente aos potes de bolachas salgadas,ao lado do frigobar reformado, não precisava do velho molho de chaves.Querendo ir, sem saber para onde correr, por lá foi socorrer Maria e informá-la, de sua nova descoberta.

Conversa de Moças

INT./APARTAMENTO DE VALÉRIA– DIA

CARMEN
As mãos não suportam mais esconder o inchaço dos olhos, mesmo depois de alguns dias desde o ocorrido, chora demais. Como pode ela ter feito isso, ainda mais com Valéria, a pequena Valéria que de sensível tinha uma alma inteira; essa que a acamava quando a vida colocava alguns cadeados indevidos, que a resgatava do calor de Porto Alegre para um banho de mar, que a arrancava de uma mesa na beira do salão para uma dança. Odiava a sensação de ser uma traidora, de ter a traição em alguns percalços de memórias que mancham algumas centenas de planos, de se tornar agora mulher de vermelho sangue, mulher má.

VALÉRIA
Tem a frieza pela primeira vez, como hospedeira. Olha firmemente para a janela. Sempre a interessou o que acontecia lá fora e agora ignora o que ocorre ali dentro. Sua face está seca, seus braços se cruzam para demonstrar descontentamento, embora simbolizem é raiva. Não tem reações, pelo menos as aparentes. Não reconhece mais a mulher sentada no sofra amarelo deserto sem nenhuma voz com traços de razão. Elas não se olham. Não daria esse luxo. Que animal era aquele na sua sala. Sempre teve medos dos selvagens, a pequena Valerinha, a Valerinha! “Tão inocente!”. Eles vão ver inocente, pensa. Essa coisa é de ser trouxa, é para os iniciantes. Escutava tudo que a sua amiga (?) falava, com muita cautela mas fingia que não ouvia. (Ela nem é bonita! E o Frabrício também. Aquele Bode. [porque eu falei bode, ele nem tem guampa. Ainda.] Quando eu disse que ele era precoce, quis dizer que era na cama. E ainda paupequeno.Otário.Filho da puta [modo de falar dona Cleide]).Todo amor que sentia por Fabrício se foi como um sono interrompido por um despertador.Não ligava mais para o moreno de feições rudes.O que importava, era como Carmen do jardim, do colégio, a Carmen brigona da classe, a engraçada da avenida, a amiga que dividia o apartamento e todo o mais antes, poderá fazer isso com ela.Como conviveu junto com ela tanto tempo?Não sabia.

VALÉRIA
Ela se levanta e chega perto de Carmen. Tira uma das mãos do rosto e tenta encontrar o da amiga –ex.

CARMEN
Ignora. Faz um sinal de pare com os braços. Não fala, não vale a pena. Nada será resolvido, pelo menos nessa noite.

FLASHBACK

EXT. EM UMA AVENIDA ESCURA – NOITE

CARMEN
Avista um homem. Ele tem um carro bacana. Existem muitas garotas naquele lugar, ele vai falar justo com ela.Está frio, ela queria ir para casa, mas por algum motivo não acha propício ainda.O carro se aproxima.

EXT – Casa de Valéria – Dia

CARMEN
Conhece muito bem Valéria, tanto para saber que amanhã será outro dia, outro dia em que ainda não terá esquecido o que se passou nessa semana. Lembra da viagem a Bombinhas, do Ano novo em Ouro preto. Lembra de quando bateu o carro. O seu rosto segue as mesmas coordenadas. Aqueles amassados se reprisam nessa moral, essa coisa abalada que não se enxerga mas percebe-se de imediato. Quer dar três passos a frente e agarrá-la a força. Dar um beijo em sua bochecha e contar tudo direitinho de forma que não houvesse como ela dizer não. Falar do filme que viu e gostou. Do filme que viu e riu mas não gostou.Pedir para que a perdoe, que isso tenha um fim, como nos filmes.

VALÉRIA
Nunca confiou nos homens, nem nas mulheres, em Carmen talvez. Tem medo de não conseguir confiar em ninguém mais. Tem ódio, um que nunca conhecerá porque distribuía perdões como assobios. Tinha uma amiga e agora perdeu um namorado. Pensa que vai ter que aprender a dirigir, pois o carro não vai ficar com o Fabrício. A sensação de deixar alguém é como perder-se no seu próprio corpo. Era ela uma criatura assustada com a própria imagem no espelho, uma imagem sem duplicação. Não sabe direito como ser portar diante de uma vida sem os dois. Ela acende um cigarro. Fuma-o rapidamente. Está pronta para mandar Carmen embora.

CARMEN
Ela implora para ficar. Diz que não tem par aonde ir, que está desempregada e que ainda é sua amiga. Diz que esse é o pior dia das suas vidas, não para de falar tanto que grita.
Valéria
Manda ela sair, embravece que isso tem que acabar. Que é um puta com rabo quente.

VALÉRIA
Ouve.

CARMEN
Se coloca em frente a porta, impedido passagem.Coloca as mãos na cabeça, entranha os cabelos desalinhados.Grita.Bate os pés.Chama por Deus (aquele que não acredita).

VALÉRIA
Pede para não bater os pés que os vizinhos irão reclamar.

CARMEN
Pede desculpa.

VALÉRIA
Nem a mentira mais enxuta fará sua decisão mudar de ideia. Não se passa despercebida a tontura das suas pernas, as diretrizes esquivas de seus olhos. Mas permanece, vestida de estátua. Vai em direção a porta. Chamará a polícia se esse foi o caso. Berrará alto, até o síndico vir participar do vexame. Enrujece os braços que de cruzados se sondam, a manda embora. E tem mais, diz: Pode levar esse quadro que você me deu de aniversário.

CARMEN
Suplica

VALÉRIA
Antes de ela sair daquela sala para nunca mais voltar, quer saber uma coisa. Quer coisa pouca, um porquê. Por que FabrícioFoi só uma transaQueria humilhá-la?
Precisava de grana, era isso?

CARMEN
Responde que sim; para comprar o quadro.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Visita sem Bela

Vinha quase sempre de dentro da noite, na madrugada que ressuscita só os desprovidos de grandes futuros. O barulho ela escutava desde quando a Dr. Martins faz esquina com a Princesa Isabel. Equilibrava-se nas desprovidas pernas encardidas que arrastavam-se tanto para andar que as vezes atingiam outras coisas além do chão, como os animais que dormem e as pedras que não rolam.Trazia consigo a facilidade de estragar o sono dos que morrem devagar e a destreza dos que fazem esse despertar, felicidade.E assim sacudia árvores e derrubava cestos de lixo, travando um rastro poluído até a casa de canteirinho cinza e baixinho, onde tropeçava e por sorte indevida não caía ali mesmo, ali mesmo onde algo se escondia debaixo do cobertor com elefantes rosas, o cachorro continuava a latir, e ela deitada na cama fechava de tão forte os olhos que esses pareciam ser engolidos por suas bochechas.Imaginava os dentes a ranger como se a boca fosse um ringue, pensava nos caminhos de suor interrompidos pela sujeira dos pelos sem aparo, os ossos pesados a denunciar um bicho sem espécie.A criança tomava coragem e expunha o corpo fora da cama, enquanto lá fora ouvia gritos com excessos de vogais ,falava com o céu como se já tivesse sido expulso lá de cima, com respiração defeituosa, ouvia estalos vindo da porta da frente e derrapadas vindas da sala.Já estava agora dentro de sua casa e nada poderia fazer ela, se não ter medo.Pela cantinho da porta via a sombra daquilo que não explicava no seu conhecimento leve, pelo que parecia dali, garras levantadas e braços enxutos de um caçador insatisfeito,uma barriga de quem esconde mentiras com gula de mais, um corpo sem proveito e desajeitado com suas extremidades, que balançava-se pelo perímetro em busca de descanso para o peso de seus braços,que ainda estavam lá sem controle, culpa dos ossos.
De repente, ouvia uma voz outra, sua mãe respirava em descalça, e num anúncio final, quando já não percebia o agudo do pavor da mulher, sabia que tinha sido abafada.Agora a criança já voltava para cama tapando-se atrás do travesseiro e segurando bem forte o Sr. Papu, o amável coelhinho Sr. Papu, onde intrometia seu desenhado nariz em meio a pelúcia em busca de um sonho vadio doido por casa.
Imaginava o que era aquela coisa, uma história sem fantasia, uma experiência desaproveitada da vida, um monstrengo sem par de dança, que veio leva-la para longe por todas as vezes que não comeu todo feijão do prato,que escondeu a salada ou que não entregou o tema.O Imaginava sem saber seu rosto, só com a memória guardada do medo.No que o sonho ainda não a buscava, corria na sua cabeçinha que tinha que deixar de ser criança boba e fazer as coisas mais de acordo com sua mãe para que isso não ocorra, pensava a pequena, desperdiçando esse luxo, e essa raiva, de ser pequena.Não aceitava a tal condição de ser menor, sem altura pra ter coragem, sem desistência para aceitar o que incomoda. E ficava tão triste quando a aula no coleginho acabava, porque então sabia, que o dia já tava se escondendo e a madrugada seduzia com o embaçar nos olhos de tanta luz. A pobre sentia um cheiro estranho, estava nas paredes e no ar detrás dos móveis, mas nada podia fazer se não esperar o tempo ir-se embora e dar lugar ao seu sossego que vinha quando o sol derretia a noite, deixando uma calma que embalava a ficar contente.
Mais uma vez se aproximou, e a criança já sabia dos passos pesados na estrada de terra, da cerquinha a ser quebrada, da porta a emitir barulhos, os socos nas paredes esburacadas. Lembrava com conflito da sombra daquilo que não se sabe onde foi feito e porque não se desfaz. Dessa vez deixou Sr.Papu sozinho na cama, sem criança pra ser criança. Algo estava revirando a sala, ouviu o som a ligar no limite dos ouvidos sãos. A mãe ainda não voltará da casa de sua tia, deonde não devia ter entrado, e lá fora a madrugada nem encostava no relógio tonto de girar.A criança desceu as escadas com os pés em contato no azulejo frio, quentes de tanto tremer.Achou o que era a explicação daquela confusão de criança.Era ser de respiradas bulfantes e suor cachoeira, sem resposta nos músculos dos olhos, com cabeça que duelava com tudo, até com o teto, coisa a desajeitar a sujeira para bagunçar . Do choque que passou, fugiu seu medo. Tinha que arrumar as coisas certas, deixar de ser criança, pensava a quase ainda criança. Sem ele perceber, correu até o armário de chão na cozinha. Ficou aquilo quieto e olhou a criança agarrada em qualquer coisa, porque não entendia o que era nem se importava. Suas patas de trás começaram a mover-se devagar, como marteladas no piso, que mais afundou do que ajuda a andar, enquanto seus olhos derretteram-se de desconsolo e exagero em vazamento. A criança, longe do Sr.Papu,pouco ligava pro Sr. Papu, agarrou-se mais ainda na garrafa transparente e disse:

“Pára, pai.”

Então, esse parou - foi a última vez que foi chamado de pai – como se entendesse, como se se importasse.

A Clandestina

Era de outro corpo o que tomava-a com sede de quem já nasceu querendo e morre como tal.Os olhos, abriu os olhos mas o visto fez que não viu; da cama via respiração fugir molhada vida-própria que chegava até ela por cima dos lençóis estranhos, impresões fauvistas com descaso com o real, tapetes sujos como a poeira dos que a respiram por hábito da tosse; não reconhecera a anatomia dos casamentos daquelas paredes, o hálito de guardado junto ao um sexo mal-feito não reconhecera, mulher essa de pouco falta pra trinta longe de casa não reconhecerá logo depois; muito menos as cobertas que não cobertavam, jogadas ao perto de uma paisagem de janela de velha novidade (atrás do vidro que suja como se respira, um prédio blábláblá barulho de motor de carro confundido com pretensão de sexo, pontes pros suicidas cordas pros altruísta e lá vai) o piso sem caricia de limpeza dividia espaço com estas sim, reconhecíveis, suas declaradas roupas mais limpas do que ela agora ela mesmo, mesmo que jogadas ao chão, mais desinfetadas até (quem sabe ela não); entre os quadros de expressionistas de segunda, de morte como a maior obra, contaminada por toda miséria e apelações das músicas ruins, toda a besteira de um rock que ressucita em amores mortos, baladinhas de colegial para quem nunca reviveu as décadas sessentistas do som confundido com música, música de fundo pra algum palco maior, desde a seleção de CDs disputando maior caos pelo tapete até o cinzeiro em carga máxima, sabia que alguma força julgadora permanecia sobre ela dizendo, ser ela mais errada do que ambos exemplos de desordem e falta de lugar, ou seja: um tudo absoluto que se apertava naquele apartamento do homem sem nome mas com seu corpo; que não era visita em sem calendário mas já estava de saída dos persuasivos dias de sua vida, que se mostrava apenas como um objetivo do que como uma realidade, resposta de significado no dicionário.Fechou os olhos antes de aderir a uma saída que tanto poderia ser uma porta de ferro ou uma janela no quarto andar que pouco importava, desde que a má memória não viesse com correntes maciças, daquelas que tem necessidade de fazer showbussnises de fofoca na sua consciência, impedindo ações diárias como lavar a louça e escrever um memorado, sem a ressaca vinda em arrependimentos simbólicos do tipo ‘droga’ seguido de um prato quebrado. Sentia que não lhe pertencia-lhes aqueles fluidos, pensara em devolve-los, podia ser um empréstimo ou um contrato, não lembrava mas recordava duns braços escorridos nos dela preenchidos, dum sufoco que a fazia respirar melhor e alto alto alto, e uma vozinha cochilante que sem olhadas declamava: lindalinda, que fazia ela que não era dessas estoneantes beldades existem por ai, um próprio exemplo da palavra em carne e só.Tinha aquilo um jeito de homem que antes não consiguia imaginar nem com o filme mais atrevido, desejo mais desbocado;via nos contornos daqueles formatos preenchimentos nunca sentidos, nos pelos extangeiros descoberta de possibilidades;afinal era todo um além-mundo que via-se pouco em comparação do que existia;permissão para correr pra onde batia a curiosidade e aquele corpo era a própria curiosidade a implorar por liberdade;sentiu-se livre acolhida e recolhida embaixo do que a comprime para que possa se expandir, e quando percebeu isso sem entender ao mesmo tempo travou.Era ela, em quarto que não dorme e língua que não fala, um custume de ser si própria;enquanto preparava-se para medir conseqüências com o inesperados e pagar todas suas contas de final de semana, num olho que num derrapar se fechou, num sossego aparente que na verdade abrigava uma dúvida, postou-se ao seu lado aquela curiosidade de encostas firmes; desenhos de músculos que a preenchem que a fazem sair da linha;promessa de coincidência de solidão e busca pra essa;o que podia ter todos defeitos da camada terrestre menos o de não ir àquela festa ontem anoite; ele alguém aquilo homem que voltou e acamou o corpo naquele colchão que também a separava do chão, a fazendo sentir estúpida e linda ao mesmo tempo, dona de um sexo imbatível e de oferenda, era ela também aquilo sem nome mulher,abasteceu-se de conformidade enquanto planejava levantar, juntar as roupas aterrisadas sobre o chão, lustrar o orgulho que agora começava a voltar junto com uma vaidade que aumentava mais e mais e uma memória que descarta sem ligar onde irão cair as sobras;foi a escapar daquela já passado quando, veio de trás o que depois confirmou, após a surpresa, o atraso do reconhecimento, ato que não devia nunca ter existido (agora mesmo não entendia mais aquele quarto nem nada que lá se guardava), muito menos ela, e isso agora, esse abraço.