domingo, 7 de fevereiro de 2010

Visita sem Bela

Vinha quase sempre de dentro da noite, na madrugada que ressuscita só os desprovidos de grandes futuros. O barulho ela escutava desde quando a Dr. Martins faz esquina com a Princesa Isabel. Equilibrava-se nas desprovidas pernas encardidas que arrastavam-se tanto para andar que as vezes atingiam outras coisas além do chão, como os animais que dormem e as pedras que não rolam.Trazia consigo a facilidade de estragar o sono dos que morrem devagar e a destreza dos que fazem esse despertar, felicidade.E assim sacudia árvores e derrubava cestos de lixo, travando um rastro poluído até a casa de canteirinho cinza e baixinho, onde tropeçava e por sorte indevida não caía ali mesmo, ali mesmo onde algo se escondia debaixo do cobertor com elefantes rosas, o cachorro continuava a latir, e ela deitada na cama fechava de tão forte os olhos que esses pareciam ser engolidos por suas bochechas.Imaginava os dentes a ranger como se a boca fosse um ringue, pensava nos caminhos de suor interrompidos pela sujeira dos pelos sem aparo, os ossos pesados a denunciar um bicho sem espécie.A criança tomava coragem e expunha o corpo fora da cama, enquanto lá fora ouvia gritos com excessos de vogais ,falava com o céu como se já tivesse sido expulso lá de cima, com respiração defeituosa, ouvia estalos vindo da porta da frente e derrapadas vindas da sala.Já estava agora dentro de sua casa e nada poderia fazer ela, se não ter medo.Pela cantinho da porta via a sombra daquilo que não explicava no seu conhecimento leve, pelo que parecia dali, garras levantadas e braços enxutos de um caçador insatisfeito,uma barriga de quem esconde mentiras com gula de mais, um corpo sem proveito e desajeitado com suas extremidades, que balançava-se pelo perímetro em busca de descanso para o peso de seus braços,que ainda estavam lá sem controle, culpa dos ossos.
De repente, ouvia uma voz outra, sua mãe respirava em descalça, e num anúncio final, quando já não percebia o agudo do pavor da mulher, sabia que tinha sido abafada.Agora a criança já voltava para cama tapando-se atrás do travesseiro e segurando bem forte o Sr. Papu, o amável coelhinho Sr. Papu, onde intrometia seu desenhado nariz em meio a pelúcia em busca de um sonho vadio doido por casa.
Imaginava o que era aquela coisa, uma história sem fantasia, uma experiência desaproveitada da vida, um monstrengo sem par de dança, que veio leva-la para longe por todas as vezes que não comeu todo feijão do prato,que escondeu a salada ou que não entregou o tema.O Imaginava sem saber seu rosto, só com a memória guardada do medo.No que o sonho ainda não a buscava, corria na sua cabeçinha que tinha que deixar de ser criança boba e fazer as coisas mais de acordo com sua mãe para que isso não ocorra, pensava a pequena, desperdiçando esse luxo, e essa raiva, de ser pequena.Não aceitava a tal condição de ser menor, sem altura pra ter coragem, sem desistência para aceitar o que incomoda. E ficava tão triste quando a aula no coleginho acabava, porque então sabia, que o dia já tava se escondendo e a madrugada seduzia com o embaçar nos olhos de tanta luz. A pobre sentia um cheiro estranho, estava nas paredes e no ar detrás dos móveis, mas nada podia fazer se não esperar o tempo ir-se embora e dar lugar ao seu sossego que vinha quando o sol derretia a noite, deixando uma calma que embalava a ficar contente.
Mais uma vez se aproximou, e a criança já sabia dos passos pesados na estrada de terra, da cerquinha a ser quebrada, da porta a emitir barulhos, os socos nas paredes esburacadas. Lembrava com conflito da sombra daquilo que não se sabe onde foi feito e porque não se desfaz. Dessa vez deixou Sr.Papu sozinho na cama, sem criança pra ser criança. Algo estava revirando a sala, ouviu o som a ligar no limite dos ouvidos sãos. A mãe ainda não voltará da casa de sua tia, deonde não devia ter entrado, e lá fora a madrugada nem encostava no relógio tonto de girar.A criança desceu as escadas com os pés em contato no azulejo frio, quentes de tanto tremer.Achou o que era a explicação daquela confusão de criança.Era ser de respiradas bulfantes e suor cachoeira, sem resposta nos músculos dos olhos, com cabeça que duelava com tudo, até com o teto, coisa a desajeitar a sujeira para bagunçar . Do choque que passou, fugiu seu medo. Tinha que arrumar as coisas certas, deixar de ser criança, pensava a quase ainda criança. Sem ele perceber, correu até o armário de chão na cozinha. Ficou aquilo quieto e olhou a criança agarrada em qualquer coisa, porque não entendia o que era nem se importava. Suas patas de trás começaram a mover-se devagar, como marteladas no piso, que mais afundou do que ajuda a andar, enquanto seus olhos derretteram-se de desconsolo e exagero em vazamento. A criança, longe do Sr.Papu,pouco ligava pro Sr. Papu, agarrou-se mais ainda na garrafa transparente e disse:

“Pára, pai.”

Então, esse parou - foi a última vez que foi chamado de pai – como se entendesse, como se se importasse.

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