quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Conversa de Moças

INT./APARTAMENTO DE VALÉRIA– DIA

CARMEN
As mãos não suportam mais esconder o inchaço dos olhos, mesmo depois de alguns dias desde o ocorrido, chora demais. Como pode ela ter feito isso, ainda mais com Valéria, a pequena Valéria que de sensível tinha uma alma inteira; essa que a acamava quando a vida colocava alguns cadeados indevidos, que a resgatava do calor de Porto Alegre para um banho de mar, que a arrancava de uma mesa na beira do salão para uma dança. Odiava a sensação de ser uma traidora, de ter a traição em alguns percalços de memórias que mancham algumas centenas de planos, de se tornar agora mulher de vermelho sangue, mulher má.

VALÉRIA
Tem a frieza pela primeira vez, como hospedeira. Olha firmemente para a janela. Sempre a interessou o que acontecia lá fora e agora ignora o que ocorre ali dentro. Sua face está seca, seus braços se cruzam para demonstrar descontentamento, embora simbolizem é raiva. Não tem reações, pelo menos as aparentes. Não reconhece mais a mulher sentada no sofra amarelo deserto sem nenhuma voz com traços de razão. Elas não se olham. Não daria esse luxo. Que animal era aquele na sua sala. Sempre teve medos dos selvagens, a pequena Valerinha, a Valerinha! “Tão inocente!”. Eles vão ver inocente, pensa. Essa coisa é de ser trouxa, é para os iniciantes. Escutava tudo que a sua amiga (?) falava, com muita cautela mas fingia que não ouvia. (Ela nem é bonita! E o Frabrício também. Aquele Bode. [porque eu falei bode, ele nem tem guampa. Ainda.] Quando eu disse que ele era precoce, quis dizer que era na cama. E ainda paupequeno.Otário.Filho da puta [modo de falar dona Cleide]).Todo amor que sentia por Fabrício se foi como um sono interrompido por um despertador.Não ligava mais para o moreno de feições rudes.O que importava, era como Carmen do jardim, do colégio, a Carmen brigona da classe, a engraçada da avenida, a amiga que dividia o apartamento e todo o mais antes, poderá fazer isso com ela.Como conviveu junto com ela tanto tempo?Não sabia.

VALÉRIA
Ela se levanta e chega perto de Carmen. Tira uma das mãos do rosto e tenta encontrar o da amiga –ex.

CARMEN
Ignora. Faz um sinal de pare com os braços. Não fala, não vale a pena. Nada será resolvido, pelo menos nessa noite.

FLASHBACK

EXT. EM UMA AVENIDA ESCURA – NOITE

CARMEN
Avista um homem. Ele tem um carro bacana. Existem muitas garotas naquele lugar, ele vai falar justo com ela.Está frio, ela queria ir para casa, mas por algum motivo não acha propício ainda.O carro se aproxima.

EXT – Casa de Valéria – Dia

CARMEN
Conhece muito bem Valéria, tanto para saber que amanhã será outro dia, outro dia em que ainda não terá esquecido o que se passou nessa semana. Lembra da viagem a Bombinhas, do Ano novo em Ouro preto. Lembra de quando bateu o carro. O seu rosto segue as mesmas coordenadas. Aqueles amassados se reprisam nessa moral, essa coisa abalada que não se enxerga mas percebe-se de imediato. Quer dar três passos a frente e agarrá-la a força. Dar um beijo em sua bochecha e contar tudo direitinho de forma que não houvesse como ela dizer não. Falar do filme que viu e gostou. Do filme que viu e riu mas não gostou.Pedir para que a perdoe, que isso tenha um fim, como nos filmes.

VALÉRIA
Nunca confiou nos homens, nem nas mulheres, em Carmen talvez. Tem medo de não conseguir confiar em ninguém mais. Tem ódio, um que nunca conhecerá porque distribuía perdões como assobios. Tinha uma amiga e agora perdeu um namorado. Pensa que vai ter que aprender a dirigir, pois o carro não vai ficar com o Fabrício. A sensação de deixar alguém é como perder-se no seu próprio corpo. Era ela uma criatura assustada com a própria imagem no espelho, uma imagem sem duplicação. Não sabe direito como ser portar diante de uma vida sem os dois. Ela acende um cigarro. Fuma-o rapidamente. Está pronta para mandar Carmen embora.

CARMEN
Ela implora para ficar. Diz que não tem par aonde ir, que está desempregada e que ainda é sua amiga. Diz que esse é o pior dia das suas vidas, não para de falar tanto que grita.
Valéria
Manda ela sair, embravece que isso tem que acabar. Que é um puta com rabo quente.

VALÉRIA
Ouve.

CARMEN
Se coloca em frente a porta, impedido passagem.Coloca as mãos na cabeça, entranha os cabelos desalinhados.Grita.Bate os pés.Chama por Deus (aquele que não acredita).

VALÉRIA
Pede para não bater os pés que os vizinhos irão reclamar.

CARMEN
Pede desculpa.

VALÉRIA
Nem a mentira mais enxuta fará sua decisão mudar de ideia. Não se passa despercebida a tontura das suas pernas, as diretrizes esquivas de seus olhos. Mas permanece, vestida de estátua. Vai em direção a porta. Chamará a polícia se esse foi o caso. Berrará alto, até o síndico vir participar do vexame. Enrujece os braços que de cruzados se sondam, a manda embora. E tem mais, diz: Pode levar esse quadro que você me deu de aniversário.

CARMEN
Suplica

VALÉRIA
Antes de ela sair daquela sala para nunca mais voltar, quer saber uma coisa. Quer coisa pouca, um porquê. Por que FabrícioFoi só uma transaQueria humilhá-la?
Precisava de grana, era isso?

CARMEN
Responde que sim; para comprar o quadro.

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