domingo, 11 de maio de 2014

formas de sair por Lirina Paulle

em Sang-Soo

"e se não viesse ninguém?". essa é a frase, ou melhor o nome do franco-atirador, que não a deixavam dormir. amanhã todos estariam a esperando. o livro na vitrine. a capa em tamanho fantasia atrás de uma mesinha onde aconteceriam os autógrafos. essa cidade do interior.

havia uma mulher absolutamente elegante perto da porta. com um grande casaco de tecido esponjoso que ia quase até os pés. estaria ela nua? perto do bar um senhor parece obedecer a sua gravata borboleta e age educadamente. o conhece? talvez um antigo professor. talvez alguém que pensa que a conhece. de fato lembraria de alguém tão delicado nos detalhes como as meias tribais entre o figurino preto. perto da porta um tipo consideravelmente gordinho, com aquele tipo de barriga que ataca os seres humanos de sopetão quando a juventude deixa a porta aberta, e por isso, vestir os antigos botões é tão difícil como agora se percebe. ele parece importante. duas. três. cinco pessoas olhando para ele só ressaltam o quão importante ele deve ser. 

não conhece ninguém. ainda bem. a sala está lotada. ainda bem. agora pode dormir. agora sente sono e descansa as preocupações sobre o lenço de seda que leva dentro da bolsa. o lugar parecia cada vez reduzir de tamanho. como se a sala fosse um bote de emergência. “Bote de Emergência”, pensou alto. gostou do tom novelesco. agora pode finalmente fazer outras coisas. como por exemplo ir embora daquele lugar.

ela está perto do caixa. de onde está olha facilmente as notas entrarem e saírem numa troca que julga injusta. injusta. seu cabelo está na altura dos ombros mas ainda não os alcança. dependendo do movimento, um leva os atinge e ela senti isso, cócegas. cócegas consigo mesmo. observa. a fila de autógrafos está grande. umas 30 pessoas. um jovem entra. ele esta de jaqueta. parece estudante. possui as duas sobrancelhas na mesma altura por isso ainda não é velho. 

"quem está autografando?" ele a pergunta.

"Lirina Paulle" responde se lambuzando no próprio nome em letras demoradas. 

"quem é essa?"

"essa sou eu"

o jovem então envelhece alguns minutos porque agora sim, ela pode ver, há uma ruga entre os olhos. culpa dela.

"mas se você está aqui, quem é aquela lá assinando os livros e tirando fotos com pessoas de cinco sorrisos?"

"Lirina Paulle" ela insiste. "aquele também sou eu"

o jovem e a ruga desviam o rosto como quem está pronto para terminar o assunto saindo por uma porta fechada. mas ela é rápida.

"você quer tomar um café? me desculpa, já passa das sete, pode ser uma bebida de verdade. vinho?"

ela agarra a jaqueta dele antes que uma resposta a afaste. agora estão fora da livraria. no mundo. e está mais jovem a liberdade.

§

a fila de autógrafos está grande. umas 30 pessoas. um jovem entra. ele esta de jaqueta. parece estudante. possui as duas sobrancelhas na mesma altura por isso ainda não é velho. 

"quem está autografando?" ele a pergunta.

"Lirina Paulle" responde se lambuzando no próprio nome em letras demoradas. 

"quem é essa?"

"essa deveria ser eu"

o jovem então envelhece alguns minutos porque agora sim, ela pode ver, há uma ruga entre os olhos. culpa dela.

"e porque não é?"

"porque estou pagando 150 reais para aquela moça de terno turquesa seja Lirina Paulle"

"qual é o motivo de uma coisa dessas? isso não faz o mínimo sentido"

"olha se as coisas fizesse sentido eu não teria escrito um livro. detesto aparecer. detesto ocasiões como agora. essa é a verdade. satisfeito?"

"você é estranhamente diferente. há um bar aqui do lado que tem música ao vivo" ele diz enquanto oferece tudo que tem naquele momento, o seu braço, onde o que tudo indica é uma saída para aquele lugar. ela não lembra que as pessoas ainda usavam jeans da cintura para cima.

§

a fila de autógrafos está grande. umas 30 pessoas. passaram-se apenas meia hora. está cansada. na noite anterior viveu entre a cama e o banheiro. à espera que o tempo passa-se e levasse com ele esse nervosismo. como odeia dias como esse. olhar para as pessoas que aguardam uma surpresa e as verem esvaziar os balões. não conhece essa gente. talvez nunca a conhecerá. não entende que tipo de gente a lê. ela detesta o livro que assina. "este livro sou eu depois de engordar os quadris e levar três ex-maridos nas costas. você deseja ver as pegadas? página 56".

entre uma e outra assinatura, entre um e outro flash, ela se distrai com uma mulher. ao lado do caixa, perto da porta, perto da fuga, essa mulher com cabelo channel parece estar completa. ri sozinha. gostaria de estar exatamente no lugar de suas roupas. entre os ombros indesejáveis presta atenção. um jovem entra. ele esta de jaqueta. parece estudante. possui as duas sobrancelhas na mesma altura por isso ainda não é velho. tudo isso vê de longe. parece estar ali. ele puxa papo com a mulher. parecem não se conhecer. ela está presenciando um encontro. algo realmente está acontecendo ali. de verdade.

desejou ser aquela mulher por um final de tarde inteiro. quando a sessão de autógrafos chegou ao fim o desejo cessou. ela já foi aquela mulher. a diferença é que já escreveu tudo sobre ela. e pegou sua mão, a dor de sua mão direita escrivã, e foram para o hotel.

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