quarta-feira, 14 de maio de 2014

segunda-feira, 12 de maio de 2014

loja das cousas II

O TERNO

é de manhã. todas as lojas da rua ainda não sabem disso. mas na loja das cousas é diferente. ela já sabe que hoje nenhum avião caiu. que a prefeitura ainda não chegou na esquina da Euverim com a Gorbedo. que não está chovendo, o que não quer dizer é claro que não choverá. a campainha toca. um homem entra.

ele é alto e tão magro que sua altura duplica. em uma mão carrega uma mala. na outra um aperto de mão.

está corretamente bem vestido nem a primeira metade do século XX. gravata. calça executiva. porém o terno. o terno está completamente destruído. esse detalhe se destaca em tudo.

o homem do século passado se aproxima do balcão e diz:

- eu quero que este terno volte a ser como era antes.

- e como ele era antes? - o vendedor responde.

- não havia um furo sequer. um furo. não havia.

- não. eu quero dizer antes quando?

- entendo o senhor. antes quando o comprei. era domingo. três anos atrás eu voltava para ver minha ex-mulher, ainda minha esposa, com uma roupa nova e um buquê de flores silvestres. antes como naquela tarde de domingo.

o homem atrás do balcão então faz o pedido.

- então me dê seu terno.

o mesmo homem então pega o trapo empoeirado e o coloca no lixo. ele diz:

- durante a noite de hoje ele terá sumido definitivamente. o mandarei queimar e não sobrará nem denúncias. agora pode ir embora.

o homem alto agora está definitivamente bem vestido. ele não entende o que acontece mas obedece. sai pela porta da loja das coisas e ainda é de manhã. uma linda manhã. mas talvez chova.

domingo, 11 de maio de 2014

formas de sair por Lirina Paulle

em Sang-Soo

"e se não viesse ninguém?". essa é a frase, ou melhor o nome do franco-atirador, que não a deixavam dormir. amanhã todos estariam a esperando. o livro na vitrine. a capa em tamanho fantasia atrás de uma mesinha onde aconteceriam os autógrafos. essa cidade do interior.

havia uma mulher absolutamente elegante perto da porta. com um grande casaco de tecido esponjoso que ia quase até os pés. estaria ela nua? perto do bar um senhor parece obedecer a sua gravata borboleta e age educadamente. o conhece? talvez um antigo professor. talvez alguém que pensa que a conhece. de fato lembraria de alguém tão delicado nos detalhes como as meias tribais entre o figurino preto. perto da porta um tipo consideravelmente gordinho, com aquele tipo de barriga que ataca os seres humanos de sopetão quando a juventude deixa a porta aberta, e por isso, vestir os antigos botões é tão difícil como agora se percebe. ele parece importante. duas. três. cinco pessoas olhando para ele só ressaltam o quão importante ele deve ser. 

não conhece ninguém. ainda bem. a sala está lotada. ainda bem. agora pode dormir. agora sente sono e descansa as preocupações sobre o lenço de seda que leva dentro da bolsa. o lugar parecia cada vez reduzir de tamanho. como se a sala fosse um bote de emergência. “Bote de Emergência”, pensou alto. gostou do tom novelesco. agora pode finalmente fazer outras coisas. como por exemplo ir embora daquele lugar.

ela está perto do caixa. de onde está olha facilmente as notas entrarem e saírem numa troca que julga injusta. injusta. seu cabelo está na altura dos ombros mas ainda não os alcança. dependendo do movimento, um leva os atinge e ela senti isso, cócegas. cócegas consigo mesmo. observa. a fila de autógrafos está grande. umas 30 pessoas. um jovem entra. ele esta de jaqueta. parece estudante. possui as duas sobrancelhas na mesma altura por isso ainda não é velho. 

"quem está autografando?" ele a pergunta.

"Lirina Paulle" responde se lambuzando no próprio nome em letras demoradas. 

"quem é essa?"

"essa sou eu"

o jovem então envelhece alguns minutos porque agora sim, ela pode ver, há uma ruga entre os olhos. culpa dela.

"mas se você está aqui, quem é aquela lá assinando os livros e tirando fotos com pessoas de cinco sorrisos?"

"Lirina Paulle" ela insiste. "aquele também sou eu"

o jovem e a ruga desviam o rosto como quem está pronto para terminar o assunto saindo por uma porta fechada. mas ela é rápida.

"você quer tomar um café? me desculpa, já passa das sete, pode ser uma bebida de verdade. vinho?"

ela agarra a jaqueta dele antes que uma resposta a afaste. agora estão fora da livraria. no mundo. e está mais jovem a liberdade.

§

a fila de autógrafos está grande. umas 30 pessoas. um jovem entra. ele esta de jaqueta. parece estudante. possui as duas sobrancelhas na mesma altura por isso ainda não é velho. 

"quem está autografando?" ele a pergunta.

"Lirina Paulle" responde se lambuzando no próprio nome em letras demoradas. 

"quem é essa?"

"essa deveria ser eu"

o jovem então envelhece alguns minutos porque agora sim, ela pode ver, há uma ruga entre os olhos. culpa dela.

"e porque não é?"

"porque estou pagando 150 reais para aquela moça de terno turquesa seja Lirina Paulle"

"qual é o motivo de uma coisa dessas? isso não faz o mínimo sentido"

"olha se as coisas fizesse sentido eu não teria escrito um livro. detesto aparecer. detesto ocasiões como agora. essa é a verdade. satisfeito?"

"você é estranhamente diferente. há um bar aqui do lado que tem música ao vivo" ele diz enquanto oferece tudo que tem naquele momento, o seu braço, onde o que tudo indica é uma saída para aquele lugar. ela não lembra que as pessoas ainda usavam jeans da cintura para cima.

§

a fila de autógrafos está grande. umas 30 pessoas. passaram-se apenas meia hora. está cansada. na noite anterior viveu entre a cama e o banheiro. à espera que o tempo passa-se e levasse com ele esse nervosismo. como odeia dias como esse. olhar para as pessoas que aguardam uma surpresa e as verem esvaziar os balões. não conhece essa gente. talvez nunca a conhecerá. não entende que tipo de gente a lê. ela detesta o livro que assina. "este livro sou eu depois de engordar os quadris e levar três ex-maridos nas costas. você deseja ver as pegadas? página 56".

entre uma e outra assinatura, entre um e outro flash, ela se distrai com uma mulher. ao lado do caixa, perto da porta, perto da fuga, essa mulher com cabelo channel parece estar completa. ri sozinha. gostaria de estar exatamente no lugar de suas roupas. entre os ombros indesejáveis presta atenção. um jovem entra. ele esta de jaqueta. parece estudante. possui as duas sobrancelhas na mesma altura por isso ainda não é velho. tudo isso vê de longe. parece estar ali. ele puxa papo com a mulher. parecem não se conhecer. ela está presenciando um encontro. algo realmente está acontecendo ali. de verdade.

desejou ser aquela mulher por um final de tarde inteiro. quando a sessão de autógrafos chegou ao fim o desejo cessou. ela já foi aquela mulher. a diferença é que já escreveu tudo sobre ela. e pegou sua mão, a dor de sua mão direita escrivã, e foram para o hotel.

a foto

1. não sei quem era aquele francês 2. blusas cinzas são muito sinceras no verão 3. aquele colar indiano encurtou de tamanho 4. a de vermelho não estava bebendo porque 5. a de óculos estava  bebendo muito porque 6. sou a única de sapato 7. nesse dia alguém voltou descalço. 8. todos nós menos o francês acordamos no mesmo lugar onde a foto foi tirada 8. estávamos sorrindo 9. sorrindo não felizes 10. nenhum daqueles cabelos existe até hoje 11. provavelmente houve uma hora na qual falamos sobre microfísica sem propriedade 12. sabe nenhum de nós escapava da recuperação em matemática 13. a latinha de skol é eterna 14. de 4 pessoas 1 não mostrou os dentes 15. quem tirou a foto é alguém que não poderia ser qualquer um

quando você não nasceu

querido filho essa é a história de quando você não nasceu. porque o ano era 1989 portanto era uma ponte não um lugar. teu não pai vinha de uma família que colocou o rio dentro dos canos e portanto tomava banho em uma cachoeira falsificada de chuveiro. convenhamos que isso é uma coisa perigosa. tanta natureza assim. não conseguia viver com tanto. meu estômago dos olhos, fraco. este foi o ano que eu conheci teus não avós. que eu descobri que a cor verde não é o bastante para descrever uma árvore. que os filhos de imigrantes italianos tem um tipo de rosto que com a idade se assemelha com a terra arada, antes do plantio. que entendi que não sabia nada de poesia mas quando ela saía dos lábios de teu quase pai me dava vontade de fazer sexo. este foi o ano que qualquer chance que você tinha de nascer desapareceu. basicamente por isso:

esta sou eu. meus cabelos são pretos e quem os carrega são mais os ombros que a cabeça. antes eu tinha dúvidas mas agora atesto sou mulher. porque um dia, a primeira vez que bebi, me apaixonei por uma motocicleta com 60 cilindradas. só que o dono vinha junto. a motocicleta me seguiu até porto alegre dois meses depois baseado num bilhete não meu mas sim escrito pelo dia em que bebi. lá estava meu endereço. agora essa sou eu: olha para janela e vejo aquela honda cross. cintilante. coloco as mãos nas pernas e tenho uma nova abertura, ali, onde os lençóis de carne antes não davam mais nenhuma surpresa: eu tenho um túnel aberto para dentro de mim. saber que crescemos é ter uma rodovia, no meu caso autoestrada própria. sou mulher.

claro que achei muito bonito isso. eu e teu quase pai imerso em pás e despesas de terra salteando por aí. movendo fundos e mundos abrindo a barriga do dia e inserindo caminhos.chegou um desses dias que eram anos ele me veio com essa uma aliança. teu quase pai tinha duas armas carregadas onde as pessoas comuns tem apenas olhos. se eu tivesse pego aquele anel prateado e posto no meu dedo, no futuro, você também teria esse tipo de calibre capaz de conseguir qualquer coisa. eu sabia. meu quase filho teria as sobrancelhas mais lindas que a memória dos rostos era capaz de lembrar. mas ao invés de oferecer meus dedos, depois todas as formas de carregar minha juventude com eles, eu corri para dentro do bolso esquerdo de minha mãe, a pedi para que me livrasse os ombros sacrificando os cabelos, e disse para mim mesma: amanhã serei eu só que careca e desembarcando no rio de janeiro com o objetivo único de viver em um avião.

o motivo de você não ter nascido é que eu fugi o mais rápido que as turbinas do meu medo foram capazes e preferi não ter cabelo. imagino que era o meu túnel segurando aquela tesoura enquanto a queda dos meus cachos se fazia em sujeira no chão. hoje tenho consciência disso.

no rio de janeiro fiz aquilo tudo. usei ray ban, assisti a péssimos filmes patrocinados pelas forças aéreas americanas. chorava tanto que se chorar fosse criar linhas de algodão ao invés de água salgada nunca mais teria que comprar roupas ou lençóis. em quatro anos sofridos eu pilotava um boing já para uma companhia aérea do interior. as pessoas me chamavam de capitão e esqueciam meu verdadeiro gênero. eu gostava, mas apenas quando estávamos no ar. essa foi minha vida.

então você pode pensar que a culpa foi toda minha. talvez. por anos, quando comecei a fazer viagens aéreas longas, 5h, 6h sobre o mar, eu pensava em ti. pensava em você meu filho que precisava nascer. duas foram às vezes que arrumei as malas ou preguei a foto de teu quase pai embaixo das pálpebras na hora de dormir e pensei "preciso fazer meus óvulos encontrarem esse homem". mas não fiz nada disso. por que? eu pensei ter o tempo todo do mundo porque pilotava num avião e podia chegar a qualquer lugar muito rápido. com 30 anos sabia como eram as luzes em bangkook, como nunca desligavam as luzes em hong-kong. em uma mesma semana acumulava continentes e sabia pedir um xis bacon em cinco línguas diferentes.mas voltar ao rio de teu quase pai. voltar ao verde. voltar a comida italiana que alimento a gerações a sobrevivência do teu quase sobrenome paterno. isso eu não consegui. parecia mais longe do que as letrinhas miúdas de um comercial de televisão.

hoje você não nasceu e a culpa é minha.

porque seu quase pai está em algum lugar raspando o rosto contra o vento, contra o dominó do frio e calos, na tentativa de ficar velho. amando as pessoas nas reticências que elas nem sabem mas existem ali entre uma respiração e outra. ele queria muito que você nascesse e dizia coisas do tipo "ele terá as costas iguais as tuas". como você nunca nasceu eu não sei como são minhas costas.

quando pensou em seu quase pai não posso mais acreditar em termômetros ou termostatos. fico quente. não é todo mundo que faz nossa pele mudar de cor. se você tivesse nascido essa seria o tipo de coisa que te diria: "quando sua pele mudar de cor fique atento e se for por causa de alguém não a deixe ir facilmente". uma vez recebi uma carta de seu quase pai. essa é a história dele:

quando mandei embora os cabelos e virei uma desaparecida, o cabelo do teu quase pai também diminui, só que involuntariamente. eles caíram sozinhos. ele estava careca e sem vontade de usar as próprias roupas por isso fez algo que nunca imaginaria, ficou rico. vendeu absolutamente tudo que tinha porque não queria mais nada. não queria viver. nessa época era escritor por isso o pensamento suicida era normal depois dos sonhos. morando com a mãe, sem nada, acordando com o susto do galo no campo ao ver o sol, estava com um bom dinheiro guardado. seu pai estava decidido: vou virar alcoólatra. colocou a roupa mais dormida e foi ao bar, o único do distrito. nessa mesma noite seu plano foi por água abaixo. porque ao começar a beber conheceu um homem. o homem disse: "contâiners". seu quase pai gostou da palavra porque não sabia soletrá-la e isso era importante para cometer um erro. ele disse ao desconhecido: "contâiners? eu topo". nos próximos dez anos ele seria uma pessoa sóbria, sócio de uma empresa que criava grandes caixas para o mundo carregar suas coisas por aí, estava rico e nem tinha quarenta anos.

a carta que ele me mandou foi depois de 20 anos de meu sumiço. ele dizia: sempre sentirei sua falta porque casei contigo mesmo tua mão se tornando uma fugitiva. em 20 anos aquela carta era tudo que seu quase pai escrevia. quando o abandonei matei o escritor e coloquei em um poste em praça pública para dar de exemplo aos seus anos seguintes. "penso onde você está. se seria absurdo não saber como está seu rosto mas querer que sejas ainda minha mulher". aquela carta era tudo que eu sempre quis. todos meus arrependimentos poderiam acabar. eu poderia voltar. ele vir morar em Guanabara. você poderia nascer. mas dei à luz a um susto depois de lê-la. foi ele o que nasceu. falava para mim mesma: "amanhã farei algo". o susto era esperto. sempre mudava a data de amanhã e eu caía.

o que vejo agora é a cidade de cima. vejo porto alegre do avião. esse corpo parado à mercê de tudo. onde você estaria se tivesse nascido? onde botaria a mão se sentisse medo? como seria sua relação com os espelhos ao acordar? você olharia um prédio com os narizes abertos como quem sente a arte e estudaria quem saber arquitetura? você viria nos visitar no natal, eu e teu pai, e os dois deixaria duros no carpete por nos derrubar com suas novidades? por suas formas surpreendentes de ver uma argila virar o que você quiser? 

você está por aí e sinto muito não ter te trazido para uma época em que a internet é ainda algo possível de ser desligada.

sinto que sei tudo sobre o amor só que não possuo os dedos para guardá-lo.

quando você não nasceu seu pai ficou careca.

quando você não nasceu eu nunca mais me senti à vontade no chão.

e nunca mais retornei.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

loja das cousas

BALCÃO

um homem entra na loja. se aproxima do balcão. diz para o outro homem, aquele do outro lado:

- quero comprar este balcão.

o outro homem está surpreso. mas seu óculos estão no mesmo lugar. valeram as 400 pratas. ou seria os 50 centavos do chá de planctum? o homem que não entrou porque já estava dentro responde:

- não podes comprar este balcão.

- mas não é uma loja?

- sim. não qualquer uma. esta é a loja das cousas.

- pois ora, então quero comprar este balcão.

- se você comprar este balcão não vou saber onde tenho que estar. perderei horas de trabalho pensando. tenho um relógio fraco. um sopro e duas safenas.

- neste caso posso roubar este balcão?

- o senhor é livre.

- sou?

- é

- neste caso, muito obrigado.

o homem que entrou na loja agora é o homem que foi embora da loja. o balcão continua. portanto o homem atrás. ele olha para uma frase emoldurada na parede na qual está escrito: "se não fosse assim não seria a loja das cousas".

romances históricos

hoje suas mãos não podem ficar nuas. você usa luvas. dirige todo dia para um lugar chamado Almeida e Guto Entulhos. você usa um chapéu de plástico amarelo que sempre achou idiota os políticos usarem na tv não porque eram frágeis para sugerir proteção mas sim por não terem nada de valioso para protegerem. essa é você. macacão tão anos oitenta. empilhadeiras. um crachá com o sobrenome de um marido que te deixou por uma fita pornô como dois braços e pernas. você. difícil lembrar daquele tempo. houve um tempo. você sussurra só para o ouvido esquerdo porque o direito não é confiável. ainda. algumas coisas nunca mudam como a desconfiança dos ouvidos. outras sim. essa é você. é inverno e está no sul. note suas mãos. luvas de lã com lhamas no diminutivo. não. não há luvas de lã. você não consegue escrever com elas. escreve. é jovem. tem cabelos cumpridos porque sabe que o tempo se encarregará de cortá-los. como é bonito o diâmetro de uma gastrite nascendo. toma café. muito. você está na aula de escrita criativa. esse tempo em que mentia a idade para entrar na aula de escrita criativa. "na verdade professor eu tenho 19". depois do susto todos voltam aos romances históricos. menos você que se apaixona. quando isso acontece não consegue acordar cedo. olhar para o professor e seus sapatos de van gogh e dizer "eu amo romances históricos". (mais tarde descobrirá que aquilo é heidegger e ficará brava). porque quando está apaixonada e se é 19 anos não se pode dormir de conchinha com a narrativa linear. tudo acaba e manda trazer um par de meias que não fale português. ele vem do uruguai. pronto. agora pode voltar às aulas. você diz: professor voltei. agora já sou mais velha. 10 anos mais. porque me apaixonei e tive de importar meias do uruguai para não pisar no mesmo lugar de novo. já posso escrever romances históricos. ele te aceita. essa é você. aula de escrita criativa. o professor ainda ama van gogh. você viu o filme dos anos 50 mas parou antes dele virar um pintor. para você ele é um mineiro cristão. nessa época um amigo seu volta da holanda. diz: "vi van gogh mas me identifiquei com theo". não lembra do que ele te disse. só dos encantos de visitar a heineken. gosta de cerveja. ele te dá um caderno e te escreve algo bonito. então pensa: "serei velha porque terei esse caderno e um dia o papel ficará amarelo". um dia bebe muita heineken e te roubam. na delegacia "levaram as pérolas falsas da vó, sagarana do joão e minha velhice."essa é você. está na aula de escrita criativa. 10 anos. contudo não escreve. "não tenho velhice". "escrever é colocar o colchão na rua e tentar dormir". um dia você acorda em esparta e chega na aula. olha para cada um dos romancistas históricos. lê algo. depois fala: é que é um poema. você fala algo sobre braços encapados. ninguém entende. e pior. ninguém quer entender porque há silêncio. o silêncio coletivo é como subornar o tempo. perto da escola de escrita tem um parque. se esconde lá embaixo de uma árvore. no futuro uma daquelas árvores matou alguém no domingo. você meio que anteviu isso. no seu desejo todas aquelas árvores cairiam no mesmo tempo. e nem sinal. bolufas. de você. do seu texto. agora que abandonou a aula com aquele professor não sabe como medir se o tempo realmente passou. não sabe mais nada. gostaria de ficar no colo de uma prostituta e chorar. mas isso seria estranho. quando não estava de ressaca e o mundo parecia estar caindo para a direita alguém te disse: "se ficar o bicho pega se correr o bicho". não ouviu o final da frase então ficou. essa é você. de capacete amarelo. macacão jeans. diens? não. jeans. o dia vai acabar porque o expediente acabou. está voltando para casa. todos tem uma casa inclusive as tuas luvas também têm. é lá que vai acordar. esse é o jeito de saber que não morreu. de noite às vezes tem esse sonho. está com a empilhadeira. o lugar: uma biblioteca. você junta todo esse entulho mas não pode ver o que é. há muito muito pó. finalmente você chega perto e percebe. são romances históricos. romances gaúchos. históricos. o sonho acaba. e o que era para ser coração é uma gota em queda pela garganta. bem que poderia escrever isso. mas ao invés prefere cuidar melhor da dieta. beterraba, rabanete. essas coisas.