domingo, 27 de abril de 2014

como David e Géneve fazem um começo

PRAÇA LA VITTA

se conheceram quando David descobriu que seus pés tinham crescido demais, depois de fazer 33 anos os pés tinham crescido ali mesmo no intervalo de um dia. consequentemente, teve que os tirar os sapatos e deixá-los nas mãos. foi quando viu um homem sem sapatos mas com sobretudo que Géneve viu David. embora quem ela viu mesmo naquele momento ainda era apenas um homem sem sapatos mas com sobretudo.

NOITE

foram tomar um conhaque já que era noite. caso contrário seria vinho. só que David disse: são seis horas ainda. Géneve respondeu que seus óculos não funcionam bem. isso não existe, um óculos não pode antecipar a noite ele disse. então ela entregou sua armação que acabou no rosto dele. é verdade ele fala. nessa hora o que era para ser conhaque sai junto com essa frase de sua boca. mas era saliva e é assim que Géneve tem seu primeiro contato com a saliva de David. depois de uma verdade e à distância.

FIM DO MUNDO

Genéve tem pena dos pés expostos de David. mas ao invés de oferecer-se para ir com ele a uma loja comprar algum novo sapato ou tentar encaixar algum tênis de algum de seus ex-namorados, para enfim ajudá-lo, não faz nada disso. mas sim retira delicadamente suas próprias botas e pronto. agora estamos iguais e por isso podemos falar de tudo ela disse. David sabe o que aquilo significa.  Géneve é uma mulher especial porque começa a ficar nua pelos pés. além de tudo, como não confiar em alguém com joanetes? você viu que semana passada era fim do mundo? disse David depois de arrumar seu cachecol como quem finge que sabe o que está fazendo. não, ela retrucou. o mundo está sempre atrasado. ainda bem.

VERMELHO

Genéve falando:

semana passada descobri que meu último namorado está vendendo meu cabelo na internet. existem pessoas que compram cabelos, fios de outras pessoas. existem pessoas que vendem cabelos, muitos fios, de outras pessoas. e uma delas é Jackson. não lembro de tê-lo visto nenhuma vez os pegando. não sei como fez. mas de fato são meus os cabelos. porque tem alguns fios que possuem mais de três cores. e estes são meus cabelos: indecisos.

David falando:

a única vez que estive com alguém por mais de um par de meses foi há anos.  o pai dela tinha uma fábrica de gravatas. ela gostava muito de se vestir. impecável. era bonita, mas obcecada. principalmente por gravatas. como era mulher, me vestia com elas. ficavam em minha volta, com seus nós. não há na vida algo que faça gravatas algo suportável.

RIO DE JANEIRO

estão no mesmo táxi. cada um de um lado como se o equilíbrio do carro dependesse disso. algo depende disso. medo. uma vez tive um amigo que por um tempo falsificou dedicatórias para sobreviver. isso quando morei no brasil. comprava os livros, depois revendia bem mais caro. ele conseguia fazer uma assinatura igualzinha a do Drummond. sabe, Drummond de Andrade? Genéve responde sorrindo. isso porque há uma preocupação ali. a de que ele continue falando. ela quer que ele continue falando como quem a retira dali, a retire daquela cidade. está aqui, atrás do vidro deste automóvel, não é Nápoles. agradece retornando aos sorrisos.

PASTELARIA

David quer se acostumar a não saber as coisas. quer que alguém o mostre como não saber. este alguém poderia ser Genéve. como fazer isso. quando ele pensa profundamente normalmente algum ruído escapa pelos ouvidos. o que você falou pergunta ela. comer é sempre a melhor coisa a se fazer quando não sabemos o que dizer. por isso estão nessa pastelaria. esta pastelaria onde com sorte David manchará de gordura as mangas de sua camisa o que servirá como prova desse dia. as coisas saem melhor do que esperava porque essa mulher em sua frente pede para o garçom dois pasteis de vento. isto me lembra a infância ela alega. então os dois se sentam para jantar a infância juntos. engolir é a maneira mas rápida de falar todas as coisas.

VERÃO EM SAL DOMIKEY

foram-se os avós, ficou a casa. a casa de Genéve tinha as paredes pesadas que faziam recordar tudo que não era vivo. está na família por gerações e agora a habito explica para David. estão sentados em frente a lareia. criando aquele momento. aquele momento para David é como adestrar um ser marinho para uma cidade grande. aquele momento para Genéve é como tentar tirar uma fotografia onde caiba o mar. em outras circunstâncias haveria silêncio e ele seria cronometrado pelas pálpebras. porém há aqueles pés. quatro pés extremamente sujos. quatro pés extremamente deles. nunca a sujeira foi tão importante. se levantaram os dois e se puseram a caminhar por toda a casa. cada espacinho minúsculo ou gordo. depois, suja toda extensão do piso, colocaram a cabeça de um dentro da do outro. a de David entrou primeiro. é um belo lugar que você tem aqui ele disse. Genéve agradeceu. daqui a três anos será verão e eu saberei disso não por causa do calendário. David concordou. era a primeira vez que estava dentro da cabeça de alguém.

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