domingo, 20 de abril de 2014

depois foste embora com o rio de janeiro no guarda-chuva

1.
quando bergman ia filmar sempre usava uma boina. Isso acontece talvez porque a ausência de cabelo o tirava a confiança. Isso acontece talvez porque é por causa da boina que ele sabe que está filmando. Isso acontece porque os últimos cabelos ele não quer deixar pelos ares assim como os primeiros que o abandonaram em troca da não volta. Isso acontece porque é a boina que dirige e não ele.

no fim de um dia de trabalho Bergman se encontra com sede. Há uma mulher. Há uma noite. As duas o procuram mutualmente. Normalmente o encontram embaixo da boina. Às vezes gostam. Nas outras gemem.

2.
mas isso nada tem a ver com boinas. Ou com bergman. Ou com cinema. Esse texto tem a ver com chapéus. Como ficaram meus chapéus depois que você saiu daqui. Aqui seus relatos:

O QUEPE DE MARINHEIRO

O quepe de marinheiro descobriu que um dia seria velho. Descobriu que um dia descobriria o sexo. Estando velho. Vemos aquele filme lembra. O chapéu tem medo de não viver aquela vida de Gloria. Donna Summer aos 60 anos. O acalmo colocando-o em minha cabeça, digo baixinho: quando envelheci percebi que era mais burra só que de uma forma diferente. Numa forma numérica.

O QUEPE DE AVIADOR

O quepe de aviador afirma que você tornou a família dele muito mais interessante. Não consegue mais olhar para a matriarca e pensar: essa conversa é tipo rebobinar só que não cabem em uma televisão. Quando era de manhã o quepe desceu e viu a mãe com agulhas e folhas na mesa. Pensou: mamãe está costurando folhas. Gostaria que essa fosse uma prática diária. Teve muito orgulho que nem estragou voltando a realidade.

O CHAPÉU COCO

O chapéu coco viveu uma experiência muito feita por surpresa. Houve uma pessoa. Uma pessoa do passado. Voltou. Na casa só havia pessoas do presente. Esse passado trouxe chocolates e uma cara de passado o que é incrivelmente assustador. Ela contou de sua nova vida feita com fios dentais e anti-séptico nas bordas. Convenceu felicidade. Nada disse do acidente. Todos escutaram pasmo porque aquele era um momento sem reprise. Inacreditável para as pálpebras. Ela chorou. Ela leu um longo discurso com as partes do corpo. Foi servido café. Trocado planos futuros. O mais velho da família então abriu os dedos e levantando-os acima retirou parte do telhado. Quando ela voltou para casa sua bolsa fazia barulho pelo movimento deles. Acho que agora dorme melhor.

O CHAPÉU DE GANGSTER

O chapéu de gangster passou por umas. Era almoço de família. Pela primeira vez alguém faz reverência a realidade e lógica das coisas e vai parar no hospital. Antes os novos velhos discutem. Enquanto isso o chapéu não sabe o que fazer. Sente falta dos tempos que tinha todo o poder armado até os tímpanos. Mas a tia está desmaiada no sofá  onde uma foto caberia bem, ao lado. Naquele balde novo morador do puro refluxo. As verdadeiras fotografias tem narizes mais fortes que os olhos.

A BOINA MADE IN OUTRO PAÍS

A boina made in continua apaixonada. Como se sente muito forte,  quando as pessoas dizem a palavra sangue ela suspira baixinho: xilema. Adoro a ver quando dorme, é uma doçura. Leva à sério a metáfora de olhos versus portas e as arquiva aos quilos. Uma curiosidade: elas sempre dão para o mesmo lugar. Vai entender.

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