Eu quis adivinhar o que guardava o profundo daquela piscina.
Eu juro que quis. Testei os gestos, encarei por todos os cantos. Meditei
fixamente encarando a água na sua parte mais profunda apesar do sufocante
medo de altura que os traumas guardam. De lá, desse impossível ártico,
estava você. Rindo os extremos, dando bom dias aos milagres, farto da rotina ser
a previsibilidade de não possuir mágoas fáceis. Você e seus amigos naquela maldita piscina. Mas
você era o mais bonito. Até o reflexo das ondulações em ti entregavam mais uma
extinção a tua beleza única, e aquela pele, nem branca nem nome de cor nenhuma,
era um convite a ranger o corpo. Mas para mim, só para mim, você não era só
esse nadador voraz empacotado em cloro, partículas de gente e água filtrada.
Sempre o mínimo dos pés para o chão. Pelo menos, atrás dos meus olhos cúmplices, você era
aquilo que te bebia, o líquido que te cercava era na verdade o suor, seu suor, seu cansaço
te sugando pelas raízes do corpo inteiro, pelos mamilos aquilo que escorria era
o seu próprio tédio, era o tédio que escondia nas dobras dos braços no desenho
do pênis recolhido no calção de banho, o seu auto-aborrecimento te dominava
como uma segunda pele e sugava e sugava com o objetivo de secar todo seu
interior. É isso o que na verdade explicava os dedos murchos, o corpo confuso. Os animais já desviavam do teu entorno, com o medo do que liam no ar.
E eu, ali, nos azulejos do clube, lendo revistas de decoração para não parecer
interessante e conservar o silêncio que me beija, estava quase devorado de
desejo ao saber que você precisava ser salvo e só cabia a mim enxergar teu
afogamento. O melhor nadador na piscina afundava-se sem ninguém mais ver.
Tomei a decisão de te presenciar firme, porém, a distância.
É você que deveria vir a mim. Sair daquela piscina, travar embate com o ar,
caminhar em minha direção dando mais frio ao vento. Assim e só assim estaria
salvo. Pode ser que custaria um pouco a se acostumar. Viver longe da água, da suspensão,
vestir o próprio peso. Mas eu te levaria para algum longe, um campo com uma
casa, te mostraria a refrescância de abrir a virgindade do mato com a corrida,
com o grito do corpo, de se habituar ao calor tendo como principal
movimento o salto de um lugar a outro. A fragilidade de não estar mais
submerso. Portanto, todo dia comparecia ao clube. Era uma jornada fácil. Um
óculos escuros, duas pernas a mostra. Estacionada de frente a sua raia. Fingindo não te notar. Era como pescar. Esperar você cair em cheio na montagem preparada ao vivo. Te olhei de fora e te entendi por dentro. Mas porque que haveria isto de ser o bastante? Ali naquela piscina você possuía a maior vantagem do mundo, isto é, a de não ser alcançado. Incomodado. Qualquer tentativa de aproximação resvalaria na pele flutuante. Sua distância era seu próprio escafandro. Sua solidão seu próprio aquário. E não havia espaço para outras espécimes nesse biossistema. Aos poucos você ia se devorando, aos poucos se consumindo, a tal ponto de eu o ver em outros ambientes tais como a biblioteca, a casa de sucos no centro, a sombra de uma sacada no parque e você continuar assim: completamente úmido. como quem pede carona para a doença. molhando todas as roupas, molhando todas as expressões. E as tendo que descartar logo depois pelo estrago causado. Digo poque gosto de você: não fará bem essas lágrimas feitas de cloro. Não há mais nada que eu posso fazer daqui de fora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário