PRAÇA LA VITTA
se conheceram quando David descobriu que seus pés tinham crescido demais, depois de fazer 33 anos os pés tinham crescido ali mesmo no intervalo de um dia. consequentemente, teve que os tirar os sapatos e deixá-los nas mãos. foi quando viu um homem sem sapatos mas com sobretudo que Géneve viu David. embora quem ela viu mesmo naquele momento ainda era apenas um homem sem sapatos mas com sobretudo.
NOITE
foram tomar um conhaque já que era noite. caso contrário seria vinho. só que David disse: são seis horas ainda. Géneve respondeu que seus óculos não funcionam bem. isso não existe, um óculos não pode antecipar a noite ele disse. então ela entregou sua armação que acabou no rosto dele. é verdade ele fala. nessa hora o que era para ser conhaque sai junto com essa frase de sua boca. mas era saliva e é assim que Géneve tem seu primeiro contato com a saliva de David. depois de uma verdade e à distância.
FIM DO MUNDO
Genéve tem pena dos pés expostos de David. mas ao invés de oferecer-se para ir com ele a uma loja comprar algum novo sapato ou tentar encaixar algum tênis de algum de seus ex-namorados, para enfim ajudá-lo, não faz nada disso. mas sim retira delicadamente suas próprias botas e pronto. agora estamos iguais e por isso podemos falar de tudo ela disse. David sabe o que aquilo significa. Géneve é uma mulher especial porque começa a ficar nua pelos pés. além de tudo, como não confiar em alguém com joanetes? você viu que semana passada era fim do mundo? disse David depois de arrumar seu cachecol como quem finge que sabe o que está fazendo. não, ela retrucou. o mundo está sempre atrasado. ainda bem.
VERMELHO
Genéve falando:
semana passada descobri que meu último namorado está vendendo meu cabelo na internet. existem pessoas que compram cabelos, fios de outras pessoas. existem pessoas que vendem cabelos, muitos fios, de outras pessoas. e uma delas é Jackson. não lembro de tê-lo visto nenhuma vez os pegando. não sei como fez. mas de fato são meus os cabelos. porque tem alguns fios que possuem mais de três cores. e estes são meus cabelos: indecisos.
David falando:
a única vez que estive com alguém por mais de um par de meses foi há anos. o pai dela tinha uma fábrica de gravatas. ela gostava muito de se vestir. impecável. era bonita, mas obcecada. principalmente por gravatas. como era mulher, me vestia com elas. ficavam em minha volta, com seus nós. não há na vida algo que faça gravatas algo suportável.
RIO DE JANEIRO
estão no mesmo táxi. cada um de um lado como se o equilíbrio do carro dependesse disso. algo depende disso. medo. uma vez tive um amigo que por um tempo falsificou dedicatórias para sobreviver. isso quando morei no brasil. comprava os livros, depois revendia bem mais caro. ele conseguia fazer uma assinatura igualzinha a do Drummond. sabe, Drummond de Andrade? Genéve responde sorrindo. isso porque há uma preocupação ali. a de que ele continue falando. ela quer que ele continue falando como quem a retira dali, a retire daquela cidade. está aqui, atrás do vidro deste automóvel, não é Nápoles. agradece retornando aos sorrisos.
PASTELARIA
David quer se acostumar a não saber as coisas. quer que alguém o mostre como não saber. este alguém poderia ser Genéve. como fazer isso. quando ele pensa profundamente normalmente algum ruído escapa pelos ouvidos. o que você falou pergunta ela. comer é sempre a melhor coisa a se fazer quando não sabemos o que dizer. por isso estão nessa pastelaria. esta pastelaria onde com sorte David manchará de gordura as mangas de sua camisa o que servirá como prova desse dia. as coisas saem melhor do que esperava porque essa mulher em sua frente pede para o garçom dois pasteis de vento. isto me lembra a infância ela alega. então os dois se sentam para jantar a infância juntos. engolir é a maneira mas rápida de falar todas as coisas.
VERÃO EM SAL DOMIKEY
foram-se os avós, ficou a casa. a casa de Genéve tinha as paredes pesadas que faziam recordar tudo que não era vivo. está na família por gerações e agora a habito explica para David. estão sentados em frente a lareia. criando aquele momento. aquele momento para David é como adestrar um ser marinho para uma cidade grande. aquele momento para Genéve é como tentar tirar uma fotografia onde caiba o mar. em outras circunstâncias haveria silêncio e ele seria cronometrado pelas pálpebras. porém há aqueles pés. quatro pés extremamente sujos. quatro pés extremamente deles. nunca a sujeira foi tão importante. se levantaram os dois e se puseram a caminhar por toda a casa. cada espacinho minúsculo ou gordo. depois, suja toda extensão do piso, colocaram a cabeça de um dentro da do outro. a de David entrou primeiro. é um belo lugar que você tem aqui ele disse. Genéve agradeceu. daqui a três anos será verão e eu saberei disso não por causa do calendário. David concordou. era a primeira vez que estava dentro da cabeça de alguém.
domingo, 27 de abril de 2014
os Mários
quando Mário Prado Rodrigues chegou na cidade do Porto a primeira coisa que fez foi conseguir uma lista telefônica. como não conhecia ninguém, pensou, deve ter pelo menos uma pessoa com quem possuo algo em comum. por isso procurou nas páginas amarelas por alguém com o mesmo nome que o seu. Mário Prado Rodrigues morava na rua Pena Ventosa, número 401. "acredito que tenho algo de seu interesse", o disse Mário no interfone. a casa era bonita e as flores pareciam ter nascido por conta própria. na sala de estar, entre pastelinas e chás de erva-forte, ele pensou em como seria ali mesmo assassinar Mário Prado Rodrigues e pegar para si toda sua vida na cidade do Porto. mas o homem era muito bonito para ser um homem morto. além disso naquela altura o outro Mário, aquele com sotaque, já estava em suma apaixonado. pensava assim: como seria fazer sexo com Mário Prado Rodrigues e pegar para si todo aquele corpo. e ficaram os dois ali a viver daqueles jeitos a mesma coisa.
quinta-feira, 24 de abril de 2014
hipopótamos
Aconteceu que Eulálio estava triste. Mas como não era
novidade ele estar triste, os amigos tiveram que encontrar outra forma de dizer
isto. Por isso quando ligavam-se, na posse dessa tecnologia, uma das poucas que
faz os olhos sobrarem, disseram-se uns aos outros: "Eulálio está a dar comida
aos hipopótamos".
A palavra hipopótamo é muito importante aqui. Notem isso.
Ninguém mais a usa, talvez pelo fato que ninguém os veja. Por isso o choque.
Por isso a retórica dos amigos ouvintes: “Então Eulálio não está
nada bem”.
De todos, fora ele o que continha mais crises. Se houvesse
um guarda-roupa de crises, este seria o de Eulálio. Exigente por um cômodo só
para ele, estantes delas dobradas, guardadas, conforme o ano, o uso, a cor.
Mais importante que superar era não esquecer. Seguir a se vestir, mas sempre,
diferente.
Eulálio é dessas pessoas que vai te visitar no emprego, está
a olhar sua escrivaninha. Olha para seu calendário, os dias passados riscados
com os xizes tal como nos ensinaram a fazer. Inclina a cabeça e te faz
perguntas. “quem foram os que morreram?”. “É desses seres negativos” poderia
nos dizer Pedro. “Porém Pedro é desses seres negativos também”, poderiam
retrucar Marisa Horta. Mas tanto Pedro como Marisa Horta transaram apenas um com
o outro por quatro anos e essa é uma condição que não faz nem de um nem de
outro um seres confiáveis.
Foi Gomez que encontrou Thiago. Estavam a combinar um
churrasco. Mas escondido de Hila e Correia, porque os dois são vegetarianos.
Gomez mencionou as palavras: "Eulálio", "hipopótamos". "Como assim?" disse Thiago.
“Encontrei na vendinha hoje. Há horas que não nos vemos.
Contudo ambos precisamos dos alimentos para sobreviver. Ele estava a comprar
ervilhas. Quem é que compra algo que não gosta?”
Mas foi Thiago que resolveu a situação. E ligou para Tamara
com quem Eulálio trabalhava. “Eulálio não está vindo trabalhar”, ela disse.
Tamara logo ligou para Hila. “Somos tão chegados Eulálio e eu. Dormimos um no
sofá do outro e empresto meu apartamento na Barra quando quer impressionar uma
garota só uma vez. Por que ele não me conta o que passa?” “Quando estamos a nos
sentir mal, esquecemos quem são as pessoas que nos emprestam os apartamentos.
Principalmente Eulálio”. Correia, ao descobrir do churrasco, chega com um saco de
pimentões orgânicos como quem não sabe quem acha que ser ignorado é um convite
mais empolgante e comenta em voz alto: “Souberam de Eulálio?”.
Se tornando desimportante os pimentões, o coro responde: “Hipopótamos?”
“Sim” devolve Correia aterrisando os olhos dentro dos
travesseiros macios do rosto de Hila, sua mulher.
Depois de algumas cervejas Luciano, o amigo taxista, chega direto do trabalho. “Eulálio está mal. É o caso de um amigo que ao que parece
não fala mais com ele. Diogo está brigado com Eulálio. Por isso as ervilhas.
Por isso os hipopótamos”. Agora os amigos se sentiam melhor porque a tristeza
realmente tinha um motivo. Um motivo real.
Se passaram semanas na vida de Marisa Horta e nada de Eulálio na
vida dela. Se passaram semanas na vida de Thiago e nada de Eulálio na vida dele. Pedro ligou para Gomez, ligou para Luciano, Tamara. Nada de Eulálio
nas semanas de todos. Desapareceu.
Quando Pedro resolveu apresentar a todos a sua mãe biológica,
alguém comentou o que estava acontecendo. Inês, a mulher que pariu aos quinze
anos e veio a conhecer o resultado do parto 30 anos depois, então os pergunta: "Mas quem é Diogo?". Foi aí, com as paredes do restaurante chinês de testemunha,
que se deram conta de que ninguém sabia quem era esse tal Diogo. Diogo, o causador de
problemas.
Correia e Hila, ao arranjarem assuntos para desviar a insônia e fingir que não percebem a falta de desejo que os separa na cama, que se deram conta. Eulálio na verdade tem poucos amigos. Eulálio na verdade só
tem a nós. Isso soou muito estranho para os dois e no outro dia mesmo, Correia –
o preocupado, resolveu apimentar a preocupação de Luciano. “E Eulálio disse de
onde conhecia esse Diogo?”. “Não. Mas eram muito íntimos. Coisa de anos. Dez
pelo menos. Uma das poucas coisas que lembro dele dizer era que agora teria de
almoçar sozinho e isso era uma desgraça porque em parte o que o ajuda a comer é
a vontade de falar.”
Tamara ficou preocupada. Ela temia o pior. Por isso convocou
uma reunião. E em seu apartamento serviu feijoada a todos. Depois disse: “Tenho
uma teoria. Mas ela é ruim. Acredito que tenha acontecido o pior. O pior
embaixo dos nossos narizes. Logo nós que pensamos não se tratar de uma
seriedade”. Naquele momento os feijões foram mal mastigados pelo impacto
sombrio da voz. E mais tarde, seria difícil fazer a eficiência da higiene bucal
funcionar facilmente antes de dormir. Aqueles feijões sobreviveram intactos pela manhã seguinte.
“Pois eu que almoço com Eulálio. Não esse tal Diogo. A
partir disso que os digo. Diogo não existe”. Na cabeça de Thiago isso faz
sentido. Inês, que depois de 30 anos resolveu entrar na vida do filho logo em
um momento de drama, até ela, acredita. “Então é bem pior do que achávamos ”,
comenta Gomez. “Sentir falta de alguém que não existe, deve ser dolorido”
pensou Pedro mas não disse nada.
Eulálio estava louco. Um louco triste. O pior
tipo.
A busca por Eulálio não foi nada bem. Ninguém atendia na casa onde ele supostamente morava. Nenhum dos amigos tinha o telefone de seus parentes. Ninguém no trabalho ouviu notícias suas. Estavam ilhados. Não havia o que fazer. Eulálio, o louco, Eulálio, ou sumido. Estava sozinho. Então aconteceu algo estranho.
Pare de tremer Hila. Agora conte o que você estava dizendo. "Eu estava dizendo que fiquei com saudade de Eulálio. Então o procurei nas fotos de nosso casamento, meu e do Correia. Queria lembrar dele. Lembra que ele chegou atrasado? Deu aquele barulho na igreja. Então. Acontece que Eulálio não estava nas fotos". Ninguém deu muita importância. Eulálio não gostava de tirar fotos, sim sim, era isso. Poderia ser.
"Sinto muita falta de Eulálio. Sentia que podíamos conversar sobre tudo. Sinto falta daquele cabelo vermelho, que ele coçava sempre que arriscava dizer uma palavra que nunca tinha entendido bem seu significado" disse Pedro. "O cabelo dele é loiro" respondeu Thiago. "Eu sempre achei castanho" disse Marisa Horta. "Gente, por favor, Eulálio é ruivo" alguém comentou.
Correia mandou todos ficarem quietos. Deu um gole no copo que varreu as moléculas de álcool. Depois, com o pó do alcool escapando de sua boca fez uma pergunta: "Qual foi a última vez que vocês viram Eulálio?"
Silêncio.
Tosses.
Silêncio de novo.
"Aquele dia na vendinha, não sei se era ele. O homem que vi com as ervilhas era moreno. Agora estão a dizer que era ruivo. Não entendo. Acho que não era Eulálio", desabafou Gomez.
A verdade é que ninguém lembrava de tê-lo visto. Sim, frequentemente conversavam a seu respeito, suas picaretagens, suas ideias absurdas, seus problemas sociológicos. Mas vê-lo assim, digamos, tocá-lo, abraçá-lo, fazia tanto tempo que a memória não vinha.
"Não é possível. Foi Odila que me apresentou Eulálio. Namoraram os dois. Tenho certeza". "Não se faça de tonta Tamara, Eulálio era gay. Conversávamos sobre isso quando todos vocês iam dormir." disse Gomez. Foram então que todos olharam para Luciano. Luciano o taxista. Luciano o informante. "E você, o que tem a dizer? Foste o último a vê-lo não é mesmo?" se ouviu partir de alguma boca.
"Ver eu não o vi. Mas li uma carta que ele mandou."
"E onde está a carta?"
Nesse momento mesmo em silêncio todos ouviram um ruído. Era o som de algo se elevando. Como os tremores que antecipam o emprego de um vulcão. Algo estava saindo fora do lugar. Aquilo parecia e muito com o medo quando ele aparece em lugares mais baixos que suas medidas.
"Puta que pariu, como a gente faz para saber se alguém existe mesmo?" gritou Thiago.
Os outros nada disseram. Porque na verdade, não sabiam. Porque na verdade temiam que não soubessem mais de nada. Ficaram ali parados, todos na sala, a espera do sono. Mesmo sabendo que esperar o sono, nessas circunstâncias, é como esperar que nossa barriga diminua de tamanho depois de resolver alguma uma difícil equação matemática ou livrar-se da declaração do imposto de renda.
domingo, 20 de abril de 2014
depois foste embora com o rio de janeiro no guarda-chuva
1.
quando bergman ia filmar sempre usava uma boina. Isso acontece talvez porque a
ausência de cabelo o tirava a confiança. Isso acontece talvez porque é por
causa da boina que ele sabe que está filmando. Isso acontece porque os últimos
cabelos ele não quer deixar pelos ares assim como os primeiros que o
abandonaram em troca da não volta. Isso acontece porque é a boina que dirige e
não ele.
no fim de um dia de trabalho Bergman se encontra com sede. Há uma mulher. Há uma noite. As duas o procuram mutualmente. Normalmente o encontram embaixo da boina. Às vezes gostam. Nas outras gemem.
2.
mas isso
nada tem a ver com boinas. Ou com bergman. Ou com cinema. Esse texto tem a ver
com chapéus. Como ficaram meus chapéus depois que você saiu daqui. Aqui seus
relatos:
O QUEPE DE
MARINHEIRO
O quepe de
marinheiro descobriu que um dia seria velho. Descobriu que um dia descobriria o
sexo. Estando velho. Vemos aquele filme lembra. O chapéu tem medo de não viver
aquela vida de Gloria. Donna Summer aos 60 anos. O acalmo colocando-o em minha
cabeça, digo baixinho: quando envelheci percebi que era mais burra só que de
uma forma diferente. Numa forma numérica.
O QUEPE DE
AVIADOR
O quepe de
aviador afirma que você tornou a família dele muito mais interessante. Não
consegue mais olhar para a matriarca e pensar: essa conversa é tipo rebobinar
só que não cabem em uma televisão. Quando era de manhã o quepe desceu e viu a
mãe com agulhas e folhas na mesa. Pensou: mamãe está costurando folhas.
Gostaria que essa fosse uma prática diária. Teve muito orgulho que nem estragou
voltando a realidade.
O CHAPÉU
COCO
O chapéu
coco viveu uma experiência muito feita por surpresa. Houve uma pessoa. Uma
pessoa do passado. Voltou. Na casa só havia pessoas do presente. Esse passado
trouxe chocolates e uma cara de passado o que é incrivelmente assustador. Ela
contou de sua nova vida feita com fios dentais e anti-séptico nas bordas.
Convenceu felicidade. Nada disse do acidente. Todos escutaram pasmo porque
aquele era um momento sem reprise. Inacreditável para as pálpebras. Ela chorou.
Ela leu um longo discurso com as partes do corpo. Foi servido café. Trocado
planos futuros. O mais velho da família então abriu os dedos e levantando-os
acima retirou parte do telhado. Quando ela voltou para casa sua bolsa fazia
barulho pelo movimento deles. Acho que agora dorme melhor.
O CHAPÉU DE
GANGSTER
O chapéu de
gangster passou por umas. Era almoço de família. Pela primeira vez alguém faz
reverência a realidade e lógica das coisas e vai parar no hospital. Antes os
novos velhos discutem. Enquanto isso o chapéu não sabe o que fazer. Sente falta
dos tempos que tinha todo o poder armado até os tímpanos. Mas a tia está
desmaiada no sofá onde uma foto
caberia bem, ao lado. Naquele balde novo morador do puro refluxo. As
verdadeiras fotografias tem narizes mais fortes que os olhos.
A BOINA
MADE IN OUTRO PAÍS
A boina made in continua apaixonada. Como se sente muito forte, quando as pessoas dizem a palavra sangue ela suspira baixinho: xilema. Adoro a ver quando dorme, é uma doçura. Leva à sério a metáfora de olhos versus portas e as arquiva aos quilos. Uma curiosidade: elas sempre dão para o mesmo lugar. Vai entender.
A boina made in continua apaixonada. Como se sente muito forte, quando as pessoas dizem a palavra sangue ela suspira baixinho: xilema. Adoro a ver quando dorme, é uma doçura. Leva à sério a metáfora de olhos versus portas e as arquiva aos quilos. Uma curiosidade: elas sempre dão para o mesmo lugar. Vai entender.
segunda-feira, 14 de abril de 2014
telefonemas
I
estou sujando a roupa de amanhã. bicicleta. uma mulher não me olha por isso não a esqueço. a roda trava. três reais o saco de laranjas. consertam-se escadas. um cão se perde. penso na família que não tive ao desviar de um buraco.
você me liga.
"lembrou de tomar as pílulas?"
"não as tomo mais fazem cinco anos"
"lembrou o que são cinco anos?"
"sim"
desliga.
II
aguardo ter fome esperando ter sono. o travesseiro velho. um ventilador que só perceberei que funciona no dia do estrago. tenho 23 dívidas que guardo na poupança. esperançoso. poderia haver cheiro de sexo.mas não sinto nada.
você me liga.
"hoje não encontrei uma só pessoa que me conhecesse."
"faz frio?"
"eu poderia ser qualquer um. sempre tive simpatia com a Eslovênia"
"está nublado?"
"é muito pedir para não esquecer um desconhecido?"
"só acho as minhas chaves porque elas caem"
"eu poderia ser um vendedor do Kuwait"
"olha você está com problemas? posso mandar dinheiro"
"problemas?"
"você pode ser qualquer coisa"
"eu não queria ser ninguém"
"era para ser uma viagem. não uma mesa de jantar"
"qual o problema de uma mesa de jantar?"
"elas não cabem na mala"
desliga.
III
cumpro o destino do cigarro por ele e dezembro daqui 20 anos dói. graças a deus existe a falta de pilhas para o relógio. aprendo a cozinhar moranga. nenhum sinal de você.
então o ligo.
"você ainda não me ligou"
"ligo daqui duas horas."
"ok"
desligo.
IV
esse é você me ligando de manhã:
"hoje olhei minha cama ela estava todo bagunçada. então pensei essa é minha bagunça mas não minha cama"
"você está regando as plantas?"
"senti meu cabelo crescer na mesma hora"
"você está regando as plantas?"
"ainda não ganhei nenhuma"
desligo.
V
aqui o mundo ainda não olhou a janela hoje. já eu sim. confundi as datas dos eclipses. você me liga.
"hoje eu vi uma pessoa morrer"
"onde?"
"na televisão"
"na tv não vale. me ligue quando ver alguém morrer"
desliga.
VI
não há nada para ver na sua janela além da luz. descobre que existe um zoológico perto da sua casa. ri. me liga.
"acho que a amei até três de março"
"como você sabe?"
"porque no outro dia era dia quatro de março"
"entendi"
desligo.
VII
estou lendo. perto de mim o ar muda. espero que alguém me ligue e que esse alguém não seja você. minhas costas doem.
você me liga.
"hoje visitei o escritório de Dylan Thomas. fica em Uplands. pode-se pescar de graça. mas os peixes não podem sair do rio"
"são tempos bons para os peixes"
"acho que Thomas concordaria comigo que você está equivocado"
desliga.
VIII
descubro que não sei mais o que é contar uma notícia.
você me liga.
"sonhei que eu ligava para você"
"e o que você dizia?"
"nada eu só o esperava falar"
"e o que eu falava?"
"to esperando ainda"
"nesse caso: ouriço"
"ok"
desligamos.
estou sujando a roupa de amanhã. bicicleta. uma mulher não me olha por isso não a esqueço. a roda trava. três reais o saco de laranjas. consertam-se escadas. um cão se perde. penso na família que não tive ao desviar de um buraco.
você me liga.
"lembrou de tomar as pílulas?"
"não as tomo mais fazem cinco anos"
"lembrou o que são cinco anos?"
"sim"
desliga.
II
aguardo ter fome esperando ter sono. o travesseiro velho. um ventilador que só perceberei que funciona no dia do estrago. tenho 23 dívidas que guardo na poupança. esperançoso. poderia haver cheiro de sexo.mas não sinto nada.
você me liga.
"hoje não encontrei uma só pessoa que me conhecesse."
"faz frio?"
"eu poderia ser qualquer um. sempre tive simpatia com a Eslovênia"
"está nublado?"
"é muito pedir para não esquecer um desconhecido?"
"só acho as minhas chaves porque elas caem"
"eu poderia ser um vendedor do Kuwait"
"olha você está com problemas? posso mandar dinheiro"
"problemas?"
"você pode ser qualquer coisa"
"eu não queria ser ninguém"
"era para ser uma viagem. não uma mesa de jantar"
"qual o problema de uma mesa de jantar?"
"elas não cabem na mala"
desliga.
III
cumpro o destino do cigarro por ele e dezembro daqui 20 anos dói. graças a deus existe a falta de pilhas para o relógio. aprendo a cozinhar moranga. nenhum sinal de você.
então o ligo.
"você ainda não me ligou"
"ligo daqui duas horas."
"ok"
desligo.
IV
esse é você me ligando de manhã:
"hoje olhei minha cama ela estava todo bagunçada. então pensei essa é minha bagunça mas não minha cama"
"você está regando as plantas?"
"senti meu cabelo crescer na mesma hora"
"você está regando as plantas?"
"ainda não ganhei nenhuma"
desligo.
V
aqui o mundo ainda não olhou a janela hoje. já eu sim. confundi as datas dos eclipses. você me liga.
"hoje eu vi uma pessoa morrer"
"onde?"
"na televisão"
"na tv não vale. me ligue quando ver alguém morrer"
desliga.
VI
não há nada para ver na sua janela além da luz. descobre que existe um zoológico perto da sua casa. ri. me liga.
"acho que a amei até três de março"
"como você sabe?"
"porque no outro dia era dia quatro de março"
"entendi"
desligo.
VII
estou lendo. perto de mim o ar muda. espero que alguém me ligue e que esse alguém não seja você. minhas costas doem.
você me liga.
"hoje visitei o escritório de Dylan Thomas. fica em Uplands. pode-se pescar de graça. mas os peixes não podem sair do rio"
"são tempos bons para os peixes"
"acho que Thomas concordaria comigo que você está equivocado"
desliga.
VIII
descubro que não sei mais o que é contar uma notícia.
você me liga.
"sonhei que eu ligava para você"
"e o que você dizia?"
"nada eu só o esperava falar"
"e o que eu falava?"
"to esperando ainda"
"nesse caso: ouriço"
"ok"
desligamos.
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