PRIMEIRA PARTE: anteriormente, o futuro.
1.
você está com uma foto verde de perfil. o seu verde diz: achei que era um homem maduro mas o amor é éter. essa sua certeza me desconfigura. me bagunço toda e penso: sendo assim, ou é a Suíça ou os reguladores de humor. Suíça, você responde: remédios nos deixam muito mais cansados. Berna é mais camarada.
2.
depois de alguns anos, você morará em Bruxelas. eu, em Berna. eu poderia ter ido para a Bélgica, aprendido a fazer chapéus com perícia. mas não. Te ligarei as duas da manhã para te perguntar as horas. você responderá: não tenho telescópio minha querida.
3.
nas férias vou te visitar. você me contará: adivinha quem aprendeu a cozinhar! então almoçaremos algo com nome francês mas que no Brasil se chama feijão. acharei delicioso. e tomaremos vinho de uvas laranjas e chamaremos isso de mimosas.
4.
todo ano irei confundir as cores contigo. no primeiro direi: me apaixonei. no segundo: eu não estava apaixonada realmente.
5.
entre nós só haverá Luxemburgo (que é quase nem um país) mas que autoriza a eutanásia o que nos daria muita paz de espírito.
SEGUNDA PARTE: provavelmente sempre é agora, dizem.
1.
eu te escreverei a qualquer hora do dia um sms assim "hoje te vi no outro lado da rua, você tinha 53 anos e usava botas que escondiam as canelas, porém, com graciosidade". então apagarei a mensagem e digitarei "hoje você esteve aqui". depois apertarei o botão de enviar e mentalizarei 38 vezes a palavra avelã porque acredito que esse é o tempo exato que demora para um torpedo chegar na Bélgica.
2.
vamos supor uma festa. vamos supor meu humor de festa: um quadro de rothko. vamos supor a seguinte situação: um candidato a elo de amizade. eis a seguinte conclusão: não posso ser amigo de alguém que não fuma. eis a segunda seguinte conclusão: não posso ser amigo de quem cria personagens que pararam de fumar e por isso possuem o senso de humor de uma jiboia (ou o peso extrafísico, sempre confundo). eis a definitiva conclusão: quando você foi embora a cidade parou de fumar.
3.
4599, 1/2 é a quantidade de ideias boas que morreram antes de nascer desde que piadas envolvendo cabelos orientais femininos deixaram de serem feitas.
4.
sempre quando você me pergunta "como estão nossos amigos" eu sinto uma saudade tremenda de comida congelada. mas então lembro que sempre me arrebento de culpa. porque afinal ressuscitar o queijo é uma afronta e alguém aí deve sair magoado. ontem encontrei parte do pessoal, e ao contrário do que dizem os estudiosos da idade, todos aparentam ter cada vez mais cabelo. cabelos são ótimos lugares para perder coisas, talvez você me diria. e essa é minha maneira de te comunicar: well, well, talvez eles estejam um pouco perdidos.
5.
essa é história real: se chama: o dia em que as velhinhas piscaram o olho e era para mim
aconteceu de verdade. um dia resolvemos sair e de repente todas velhinhas eram pró-gays. elas nos olhavam e sorriam como quem não ganha um pijamas de natal dos netos. a primeira tinha olhos azul-sereia e me mostrou o polegar: era um sinal de aprovação. porque meu deus? aparentemente eu era gay. por uma penca de segundos pensei que ela era a luísa ou alguma amiga nossa no futuro que resolveu ficar velha enquanto eu esqueci. o fato é: não basta ser obviamente gay, agora sou obviamente gay em olhares de 3 segundos de raspão, até mesmo os feitos por velhinhas.
no mesmo dia. era de noite. estávamos contrabandeando jazz do lado de fora do bar porque lá dentro as pessoas levavam sério algo que me ausenta: dinheiro. chega a velhinha. 90 anos. cabelo vermelho. bêbada até na vida passada. ela diz "eu amo vocês". eu pensei "se me ama, me mostra o polegar". mas não disse, óbvio. ela não iria entender, aliás nem ouvir, o que ela queria deixar claro era simplesmente: eu amo os gays. eu pensei "eu também caso contrário fazer sexo seria parecido com marcenaria". demorei para perceber coisas explícitas do tipo: o gay no caso era eu. então ela me deu um beijo. selinho, como chamam, mas eu não, porque não me apetece diminutivos.
6.
às vezes penso: precisaria de três horas contigo e um sofá macio para resolver meu problema predileto: é claro que tenho a ideia de um conto-metragem mas sempre esqueço da primeira frase. quantas histórias tem que ter uma primeira frase? a primeira frase pode vir no final? porque você não me deixou um manual quando decidiu engordar um avião? OBS: caso se transforme em realidade o caso do manual, que ele seja de plástico: só tenho ideias durante o banho. quando a gente não escreve fica cheirosa, acho.
7.
não conseguir assistir Rohmer é apenas um dos sintomas. de vez em quando imagino como é: ter nascido no futuro. era para eu trabalhar mas eu te ligarei, chamada internacional bufando, só para perguntar: o que será que Ozu gostava de tomar no café da manhã, ou, Sybil Branson a gente gosta mesmo dela? esqueci, ou ainda: como se faz para reconhecer uma rua em Bruxelas, é só colocar o pé mesmo? você talvez apele para a linguagem de monossílabas mas eu não me importarei porque esse é o tipo de coisa que com certeza diminui minha probabilidade de virar alcoólatra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário