quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

o mergulhador esquerdo

Eu quis adivinhar o que guardava o profundo daquela piscina. Eu juro que quis. Testei os gestos, encarei por todos os cantos. Meditei fixamente encarando a água na sua parte mais profunda apesar do sufocante  medo de altura que os traumas guardam. De lá, desse impossível ártico, estava você. Rindo os extremos, dando bom dias aos milagres, farto da rotina ser a previsibilidade de não possuir mágoas fáceis. Você e seus amigos naquela maldita piscina. Mas você era o mais bonito. Até o reflexo das ondulações em ti entregavam mais uma extinção a tua beleza única, e aquela pele, nem branca nem nome de cor nenhuma, era um convite a ranger o corpo. Mas para mim, só para mim, você não era só esse nadador voraz empacotado em cloro, partículas de gente e água filtrada. Sempre o mínimo dos pés para o chão. Pelo menos, atrás dos meus olhos cúmplices, você era aquilo que te bebia, o líquido que te cercava era na verdade o suor, seu suor, seu cansaço te sugando pelas raízes do corpo inteiro, pelos mamilos aquilo que escorria era o seu próprio tédio, era o tédio que escondia nas dobras dos braços no desenho do pênis recolhido no calção de banho, o seu auto-aborrecimento te dominava como uma segunda pele e sugava e sugava com o objetivo de secar todo seu interior. É isso o que na verdade explicava os dedos murchos, o corpo confuso. Os animais já desviavam do teu entorno, com o medo do que liam no ar. E eu, ali, nos azulejos do clube, lendo revistas de decoração para não parecer interessante e conservar o silêncio que me beija, estava quase devorado de desejo ao saber que você precisava ser salvo e só cabia a mim enxergar teu afogamento. O melhor nadador na piscina afundava-se sem ninguém mais ver.

Tomei a decisão de te presenciar firme, porém, a distância. É você que deveria vir a mim. Sair daquela piscina, travar embate com o ar, caminhar em minha direção dando mais frio ao vento. Assim e só assim estaria salvo. Pode ser que custaria um pouco a se acostumar. Viver longe da água, da suspensão, vestir o próprio peso. Mas eu te levaria para algum longe, um campo com uma casa, te mostraria a refrescância de abrir a virgindade do mato com a corrida, com o grito do  corpo, de  se habituar ao calor tendo como principal movimento o salto de um lugar a outro. A fragilidade de não estar mais submerso. Portanto, todo dia comparecia ao clube. Era uma jornada fácil. Um óculos escuros, duas pernas a mostra. Estacionada de frente a sua raia. Fingindo não te notar. Era como pescar. Esperar você cair em cheio na montagem preparada ao vivo. Te olhei de fora e te entendi por dentro. Mas porque que haveria isto de ser o bastante? Ali naquela piscina você possuía a maior vantagem do mundo, isto é, a de não ser alcançado. Incomodado. Qualquer tentativa de aproximação resvalaria na pele flutuante. Sua distância era seu próprio escafandro. Sua solidão seu próprio aquário. E não havia espaço para outras espécimes nesse biossistema. Aos poucos você ia se devorando, aos poucos se consumindo, a tal ponto de eu o ver em outros ambientes tais como a biblioteca, a casa de sucos no centro, a sombra de uma sacada no parque e você continuar assim: completamente úmido. como quem pede carona para a doença. molhando todas as roupas, molhando todas as expressões. E as tendo que descartar logo depois pelo estrago causado. Digo poque gosto de você: não fará bem essas lágrimas feitas de cloro. Não há mais nada que eu posso fazer daqui de fora.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Tese de Espelho - Tese 6


Você tenta manter a calma dependente de seu jardim. Por perto. O que há de estrelas há de  escuro quando se quer sumir. Hoje você quer sumir. Raspar as diversas cabeças que já ergueu por aí, no pico de um cordão de calçada. Cair de quatro fortificado de pura fraqueza. Quem sabe. Derreter em picos de indiferença, viajar mentalmente com uma frota de silêncios do tipo tiros tranquilizantes. Você quer hoje é ser atingido. Em cheio. Em vasto. Estender a pele até o fim da rua e sentir tudo. Os passos pesados da vida dos apressados, as raízes das árvores crescendo timidamente, as rodas dos automóveis e bicicletas. No raspar das panelas, você sabe. Não existe dias bons ou ruins. Sorte ou azer. Voo ou queda. Apenas os que se ficam e os que se vão. É é disso que você tem medo. Dos que se recusam a ir embora. Dos que moram na sua noite. Indefinitivo. Hoje é um dia assim. Primeiramente, ao acordar em casa, no sofá, enjaulado em dores nas costas você se sentiu brevemente alegre. Mesmo pelo sono ter sido incapaz em sua tarefa de renovação. Mesmo tendo voltado de manhã para casa com a carteira de cigarro vazia e nomes recém decorados de pessoas que nunca precisará usar pelo resto de sua vida. Você fora sozinho aquele bar. Não teve coragem de noite pesada e por isso optou pela mesmice do anti-surprendente. Você optou por cerveja. Por falar com a mulher mais sem graça do estabelecimento. Por discutir Robert Bresson com um pedinte na rua que tentava-o o convencer de que era Julio César. Naquele lugar de elegância foragida um homem chorava compulsivamente enquanto falava no celular. Você teve a impressão de aqueles os goles de cachaça que ele tomava saiam pelos olhos logo depois. Você pensou alguma frase boba, brega, do tipo “o choro é embriagante”. Você riu de si mesmo enquanto o homem devorava-se a si mesmo selvagenmente. Deixando todas as quinas dos ossos expostas e passíveis de causar quedas aos presentes. Nada aconteceu. E para dar trela a isso, você fez de tudo. A mulher mais sem graça do estabelecimento te agarrou no caminho para o banheiro. Te cozinhou com os olhos. Tentou colocar as mãos dentro de sua calça. Você impediu por falta de ineditismo. Por não querer ser vítima dela. Da mesmice. Da monotonia. A forma mais fácil de infelicidade. Em algum momento, entre conversar com o canto de uma parede e tentar pescar algum tipo de vontade na mesa ao lado, você pensou em Cleo. Tudo que veio a sua cabeça fora uma imagem. Você pensava em elefantes. E a imagem apareceu do nada. No meio da savana. Você pensava no show do New Order que nem chegou a ver. E a imagem apareceu. No meio de um bizarro triângulo de amor. O cabeço bagunçado, o sutiã em falta e aquele ar típico de quem te quer por não te desejar.  Era mais fácil nunca ter tentado. Era mais fácil nunca ter criado janelas por aí. As rosas que nunca morreram são alertas infinitos. Você acalma o arrepio do momento e acha engraçado. É tão engraçado quando não nos reconhecemos mais. Aquela mulher nunca o pertenceu. Do mesmo jeito, você a roubava a noite, durante o medo, durante o tédio. Vocês nunca aconteceram e talvez o motivo disso você já saiba. Você nunca conseguiu lidar bem com os outros. Talvez por isso ter se formado em cinema tenha sido a pior decisão do mundo. Talvez por isso sua carreira nunca tenha andado mais do que  o monte olimpo. Seu fracasso em se relacionar permeia tudo. E é o grande motivo dessa falta de água para boiar. Para afogar até. Você lembra de Maria que só saiu com você porque de uma forma muito estranha e até hoje não entendida soube que era circuncidado. Antes disso, só namorava judeus. Você fora o primeiro namorado não judeu de Maria, que era, em tese budista. Você se sentia especial por isso. Ou pelo fato de ter alguém ali para transar ao invés de apenas estar ali. Hoje é carnaval. Hoje é para sempre carnaval desde hoje. Hoje você usa uma tinta azul ao redor dos olhos na tentativa de dissimular. De ver mar onde não tem. Hoje é um dia para não morrer. E sobreviver na sua ferida aberta, na piscina construída no despespero que o o encontrou. Há dias que tem vida própria. Que você quer conversar com o taxista e falar sobre tênis sem saber o significado da palavra ACE, e finge saber o que não pensou por pura inquietação e vontade de interagir com nada, tem dias que você não suporta que o taxista dirija uma palavra com você. Tem dias que você quer é procurar alguém para aceitar o trabalho de o fazer mal, péssimo, insignificante e fervorosamente fugas, dando sem ter o que repassar, fingindo desejo nas mãos que não recordam como agarrar, fodendo aos gritos pela vontade de ficar sozinho e em silêncio. Abrindo os curativos em público para que o desconhecido infeccione mais. Tem dias que você se despe completamente em pleno inverno, assim como Lúcio que deu para chorar depois de duas vodkas de cachaça, tem dias que você não se vê, assim como Túlio que não se convidou para o próprio aniversário e deixou todos esperando com garrafas vazias em seu apartamento na Fernando Príncipe, tem dias que você não se conhece, ou é mais do que um ao mesmo tempo, assim como Martha que só é gay quando bebe demais. Você não entende que dia é hoje. Recém cinco horas da tarde. Você só guarda a impressão, aquela singela impressão com braços de polvo, de que esse é um dia que fará de tudo para não ser levado embora, expulso. Você sabe que hoje tem uma guerra para perder. Só tem medo de saber como isso irá ocorrer. Quantas balas serão necessárias para o doce abate.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

carmélia, com amor


Tá na hora de encontrar o tempo. Tomar um café. Cuspir um café. Levá-lo num restaurante. Servir o peixe mais pura espinha de todos os oceanos. Tá na hora de confrontar o tempo. Mas sem avisar. Sem marcar a hora da hora. Pegá-lo de surpresa. Com as calças na mão. As genitálias expostas. A pele branca cultivada na ausência do sol, finalmente, à mostra de todos. Tá na hora de chutar a porta. Entrar correndo. Olhar bem nos seus olhos. E se o tempo não tem olhos, pois o tempo não tem rostos, e se o tempo está em todos os cantos, está na hora de olhar em todos os cantos. De mirar alto e atirar para baixo, de colocar a cara nas texturas das cores raras e das fáceis. Tá na hora de dizer pro tempo quem é que manda. E se ele por acaso não escutar, pois o tempo não tem ouvidos, é preciso o calar para sempre. Tranquafiá-lo no armário do vizinho, levá-lo pela primeira vez para a praia para conhecer a sensação de se afogar, espichá-lo feito carpete por todas aquelas ruas em que nunca mais voltaremos. Tempo Precisamos ter uma conversa séria. Isso daqui não está dando certo.