na rua da praia, no número 146, terceiro piso há um andar
inteiro com documentos sobre os desaparecidos. há um andar inteiro para os
desaparecidos. dos desaparecidos. há inclusive roupas. objetos. canivetes.
carteiras.charutos. caixas de fósforo. bilhetes com telefones. manchas de
bebida em coletes. pulseiras de sementes. livretos de ortega y gasset.
anotações das próximas leituras de ortega y gasset. a viagem ao maranhão onde
as sementes foram encontradas ao lado da cabine telefônica que ficava ao lado
de nada. o pisco chileno que o amigo australiano trouxe quando tombaram da
prova de cálculo III. o fósforo comprado não para o cigarro mas para ajudar o
menino que demorava quatro horas para voltar do centro até sua casa. o canivete
não só para a luta mano a mano a sobrevivência no cerrado ou na mata atlântica
mas onde o nome do avô estava escrito comprovando a imanência de certas coisas.
não só objetos. também ossadas. mais 10 ossadas de desconhecidos constam neste
prédio. algumas quase completas, com crânio, rádio, tíbias. outras com o
desfalque suficiente. mais de dez corpos de desconhecidos estão guardados no
terceiro andar da rua principal desta cidade, uma rua que leva ao porto, ao
rio, ao mar, ao mar internacional. antes de chegar a elas há homens armados,
soldados que colocam e retiram a bandeira nacional todo dia que finda. podemos
tirar algumas conclusões: os desaparecidos, aqueles nunca achados, estão
guardados no terceiro andar deste prédio. portanto um desaparecido é também
alguém separado de seu próprio corpo. um desaparecido não é um corpo, senão
estaríamos resolvidos. ou, ainda, há uma opção que prefiro: o andar deste prédio
está desaparecido, o prédio está desaparecido, a rua de cidade está
completamente desaparecida. por isso não nos deixam chegar perto. por isso as
armas. ver algo desaparecido é algo extremamente perigoso para eles. mentir
para eles é uma questão primeiro de arquitetura e geografia.
segunda-feira, 7 de agosto de 2017
barrigonas
As duas grávidas. Ao mesmo tempo. Saíam escondidas das freiras, iam catar bergamotas no terreno ao lado. Gostavam de nadar em Jacaú. Colocavam o barrigão para cima, pareado com o sol, deixavam eles sozinhos como montanhas ou cascas de tartaruga tudo menos um pedaço vivo. Debaixo da água se olhavam mergulhadas até que uma lembrasse de respirar. Eram muito parecidas. Os cabelos mais para o escuro, a altura nivelada. Confundiam empregadas, usavam mesmas roupas, davam susto aos desavisados, ao ponto da madre superior desconfiar terem as duas um idioma próprio.
Quando todas meninas iam dormir, no grande quarto principal com seus segundos corações abrindo-lhes as botoaduras, uma procurava a cama da outra. Embaixo do lençol conversavam dentro dos túneis dos ouvidos até pegarem no sono. Se questionavam até que tamanho poderia crescer um coelho, quanto tempo durou a mais velha uva verde solta na natureza, quantas pessoas eram necessárias para construir um aparelho de televisão ou quantas palavras falariam até pararem um dia de falar. Qualquer coisa que fosse um lugar e não um tempo. Qualquer coisa que fosse delas e de mais ninguém. Enroscavam-se uma na outra, o que era difícil porque as barrigas, muito grandes já, talvez sete meses ou oito, acalmavam a intimidade. Por isso, invertiam-se para dormir uma nas pernas da outra, como algo sem fim ou começo, e pegavam o sono assim.
Se uma de repente parecia estar triste, o que era raro, a outra cantava uma canção que inventava na hora, depois se esquecia, e elas riam juntas do que não mais volta. Ou então, tascavam-se beijos brandos pelo pescoço, devagar, como quem forja um mapa, uma trilha, e como o povos antigos pedem com licença a mata para perambular. Os beijos finos e acurados, um ritmo meditativo, eram uma outra coisa como uma permissão para não pensar em nada, ou talvez, lembrar seu próprio corpo pode falar por si, assim como, um arrepio ergue-se soberano.
Ao irem tomar banho com outras meninas, ou passavam mal e vomitavam no banheiro, estes eram os momentos que lembravam ter um barriga, por tanto, algo nela, o que não sabiam direito pois não pensavam no assunto. Sabiam o que viam: a pele a se esfolar pelos lados, a silhueta a desfazer as medidas melódicas, o peso ganho, a dificuldade de correr, jogar bola, limpar as paredes da instituição. Mas eram crianças e tudo muda a todo instante quando tudo recém já se foi e alem do mais passavam por aquilo juntas. Juntas além daquelas outras vinte meninas que com elas se embrenhavam nos corredores, choravam achatadas por trás de móveis, liam muito ou nada, algumas por serem analfabetas outro por raiva, desapareciam apenas em uma noite desigual. Mas disto também não designavam muita atenção. Tinham uma a outra e este conjunto era inquebrável pois o exterior parecia mais como um reflexo.
As barrigonas cada vez maiores eram postas uma de frente a outra. Eu terei uma casa, pois aqui dentro eu guardo um castelo diz a outra. Pois a barriga é minha e digo que dentro dela terei um exército e este exército marchará para o seu castelo. E se te dizer que teu exército são cópias minhas e não tuas? Milhares de você aqui dentro, diz a outra! Eu gosto. Especialmente se souberem fazer um belo doce de leite, pudim ou bolo de fubá. As histórias eram contadas durante o dia inteiro, as tarefas, as rotinas de higiene. As histórias eram caminhos de alargar o dia, para que lá de longe, parecesse grande e gordo como elas. Tem vezes, em um lapso de realidade, chegavam mais perto das pistas sólidas. Terei quatro filhos e eles casarão com as suas filhas e teremos uma família. Mas nós já somos uma família. Então lembravam como um caco de vidro sobrevivente a alguma limpeza descuidada, o antes, o vir para cá agulhando a pele, um pedaço tão pequeno e tão afiado, e abraçavam-se odiando as barrigas mais que tudo por chegarem antes delas no peito da outra.
Odiavam as barrigas mas odiavam juntas e por isso não era tanto um problema. Ao mesmo tempo, não havia como ignorá-las. Se a criança chutava os pequenos corpos não tinham muita força para conter sua ressaca no resto da carne. Se a criança se mexia acordavam e se enroscavam mais forte os quatro como partes do mesmo tentáculo. Mas ali continuava a noite mal dormida, o coice, em algum lugar repetindo-se. Quando eram levadas ao médicos pelas freiras para serem examinadas, um pano era posto para que não vissem o monitor ou qualquer resultado visual. Só o que viam era o rosto da outra, atrás da mesma cortina de hospital, enquanto um graveto gelado saracoteava suas barrigas em busca de ouro ou qualquer metal.
Sabiam o que tinha acontecido uma a outra. Sabiam por pensamento dedutivo e porque houve historias antes delas. Quando o irmão de uma pulou na outra, veio correndo da oficina do tio não acreditando que os gritos seriam do gato recém salvo do abandono, não acreditando seu irmão não cumprir a palavra. Quando chegou havia sangue pela sala e o gato vivo e calmo deixavam manchas vermelhas na casa. As manchas, O gato, o meu gato em nossa casa. A culpa será minha imaginou até no outro dia ao visitar a amiga notar algo diferente. Embora não falasse nada, mancava e tinha alguns arranhões. Brincaram aquele dia, e quando ele começava a insinuar seu fim, fez-lhe um sanduíche de mortadela, e abraçou a amiga muito forte até chorar sobre seu cabelos o que o silêncio da outra não conseguia.
A dor, uma vez, mais que uma, tanto várias, sentira e deixara de sentir em pouco para ser muito. Foram mais de quatro vezes que homens chegaram e foram embora, falaram coisas parecidas, fizeram similares, em uma repetição onde tudo se perde, ao ponto de entender ser deste modo as direções das coisas. Mas ver a outra assim, irremediada, desfilada, feita de partilhas, teve vontade genuína de não se conter.
As palavras e as histórias elas também precisam de um descanso precisam ser postas de lado para se refazerem, olharem-se no espelho, notar suas próprias rugas. Quando elas se vão, quando o dia será pesado, de faxina e conversa com desconhecidos, pessoas de fora que vez e outra vem olhar as crianças, tentam conquistar a calma com bolhas e mais bolhas. Fazem bolhas com os lábios e para que não estourem eles trocam-se de bocas, beijam-se devagarzinho, cuidando de suas próprias criaturas, instantaneamente suas mentes são lidas e nada pode ser escondido.
As freiras também tem seus segredos, suas fontes milagrosas ou interrompidas. Em um dia, escondidas no quarto de uma a procurar algo que tivesse botões, um celular, um telefone, qualquer mágica que falassem com os dedos, encontraram duas próximas demais. Desfilava-se uma na outra como leoas, tateando uma armadilha, o melhor lugar para uma mordida eficiente. O barulho alto dos gemidos da savana desfalcou ao som dos pés durante a fuga e tiveram a impressão de ser aquilo muito distante e de impossível comparação com que sentiam, mas ainda presente, em uma insinuação ilegível ainda a elas.
Mais tarde, fazem o que fazem. Como imaginar o dia que suas barrigas se abrirão. Ao mesmo tempo, se seduzem a acreditar. No mesmo minuto! Primeiro eu. Uma dará o nome do filho da outra. Depois viajará por anos e quando retornar trocarão de filhos. Se a vida assim as quiser longe, mudarão de filhos durante boa parte dela, de modo que eles nunca saibam quem será sua verdadeira mãe. Ou se ficarem juntas, inventarão histórias. Inverterão seus nomes, os deixarão confusos, mesclarão memórias, primeiros passos e primeiras palavras, até que todos se sintam muito próximos um do outro.
Aramaram uma brincadeira nova. Quando o irmão chegasse, tropeçaria da escada. A brincadeira seria um acidente depois de ser uma brincadeira. Pensava até mesmo em culpar o gato. A amiga parecia não entender completamente, ou apenas não se permitir. O irmão chegou, no fio esticado em frente a escada, titubeou mas não caiu. A irmã então o empurrou com toda a força por outros cedida. As crianças falham em tentar matá-o e este cai mas apenas desmaia. Ainda há uma segunda opção. Uma faca escondida ali perto de propósito. Elas estão se olhando, a irmã ousa pegar a faca mas sangue está migrando da cabeça ao chão afora. O sangue de novo. E de novo acredita que as coisas são como são, acredita no acidente, no tropeço e nada nunca aconteceu nem este dia nem o dia que a amiga foi encontrada nesta casa. O irmão sobrevive. As coisas são o que os homens fazem com as coisas – ouviu dizerem um dia. Dias depois, engravida. O pai a chama de puta e a expulsa de casa.
Não tem raiva do irmão. Não como antes. Agora estão sozinhas, só elas, naquele lugar. Fazem tudo juntas, se aproximam como se o braço de uma fosse apelido do braço de outra. Se chamam pelos olhos. Não tem vergonha da nudez ou do choro, muito menos dos corpos desengonçados, das feridas, das estrias que os beijos tentam remendar ou apenas botar para dormir como um animal nômade no corpo. Aqui puderam crescer juntas. Ou não crescerem nunca ao mesmo tempo.
Aqui descobriram saber muito bem o que querem. Quando o tempo for limite não deixaram que toquem em seus filhos. Não deixarão que nenhum casal as leve para longe deste orfanato ou de volta a sua fazenda. Antes de tudo isto irão embora e terão sua própria casa, com seus filhos, sua própria vida. Isto não precisa estar nas histórias que contam de jeito exausto a cada fio de minuto. Não precisa ser traduzido. É um instinto compartilhado. Bolhas. Elas sabem, saber é onde ninguém vigia, lá dentro. Possuem olhos nos pés, agarradas uma na outra. Além do mais são quatro agora.
Quando todas meninas iam dormir, no grande quarto principal com seus segundos corações abrindo-lhes as botoaduras, uma procurava a cama da outra. Embaixo do lençol conversavam dentro dos túneis dos ouvidos até pegarem no sono. Se questionavam até que tamanho poderia crescer um coelho, quanto tempo durou a mais velha uva verde solta na natureza, quantas pessoas eram necessárias para construir um aparelho de televisão ou quantas palavras falariam até pararem um dia de falar. Qualquer coisa que fosse um lugar e não um tempo. Qualquer coisa que fosse delas e de mais ninguém. Enroscavam-se uma na outra, o que era difícil porque as barrigas, muito grandes já, talvez sete meses ou oito, acalmavam a intimidade. Por isso, invertiam-se para dormir uma nas pernas da outra, como algo sem fim ou começo, e pegavam o sono assim.
Se uma de repente parecia estar triste, o que era raro, a outra cantava uma canção que inventava na hora, depois se esquecia, e elas riam juntas do que não mais volta. Ou então, tascavam-se beijos brandos pelo pescoço, devagar, como quem forja um mapa, uma trilha, e como o povos antigos pedem com licença a mata para perambular. Os beijos finos e acurados, um ritmo meditativo, eram uma outra coisa como uma permissão para não pensar em nada, ou talvez, lembrar seu próprio corpo pode falar por si, assim como, um arrepio ergue-se soberano.
Ao irem tomar banho com outras meninas, ou passavam mal e vomitavam no banheiro, estes eram os momentos que lembravam ter um barriga, por tanto, algo nela, o que não sabiam direito pois não pensavam no assunto. Sabiam o que viam: a pele a se esfolar pelos lados, a silhueta a desfazer as medidas melódicas, o peso ganho, a dificuldade de correr, jogar bola, limpar as paredes da instituição. Mas eram crianças e tudo muda a todo instante quando tudo recém já se foi e alem do mais passavam por aquilo juntas. Juntas além daquelas outras vinte meninas que com elas se embrenhavam nos corredores, choravam achatadas por trás de móveis, liam muito ou nada, algumas por serem analfabetas outro por raiva, desapareciam apenas em uma noite desigual. Mas disto também não designavam muita atenção. Tinham uma a outra e este conjunto era inquebrável pois o exterior parecia mais como um reflexo.
As barrigonas cada vez maiores eram postas uma de frente a outra. Eu terei uma casa, pois aqui dentro eu guardo um castelo diz a outra. Pois a barriga é minha e digo que dentro dela terei um exército e este exército marchará para o seu castelo. E se te dizer que teu exército são cópias minhas e não tuas? Milhares de você aqui dentro, diz a outra! Eu gosto. Especialmente se souberem fazer um belo doce de leite, pudim ou bolo de fubá. As histórias eram contadas durante o dia inteiro, as tarefas, as rotinas de higiene. As histórias eram caminhos de alargar o dia, para que lá de longe, parecesse grande e gordo como elas. Tem vezes, em um lapso de realidade, chegavam mais perto das pistas sólidas. Terei quatro filhos e eles casarão com as suas filhas e teremos uma família. Mas nós já somos uma família. Então lembravam como um caco de vidro sobrevivente a alguma limpeza descuidada, o antes, o vir para cá agulhando a pele, um pedaço tão pequeno e tão afiado, e abraçavam-se odiando as barrigas mais que tudo por chegarem antes delas no peito da outra.
Odiavam as barrigas mas odiavam juntas e por isso não era tanto um problema. Ao mesmo tempo, não havia como ignorá-las. Se a criança chutava os pequenos corpos não tinham muita força para conter sua ressaca no resto da carne. Se a criança se mexia acordavam e se enroscavam mais forte os quatro como partes do mesmo tentáculo. Mas ali continuava a noite mal dormida, o coice, em algum lugar repetindo-se. Quando eram levadas ao médicos pelas freiras para serem examinadas, um pano era posto para que não vissem o monitor ou qualquer resultado visual. Só o que viam era o rosto da outra, atrás da mesma cortina de hospital, enquanto um graveto gelado saracoteava suas barrigas em busca de ouro ou qualquer metal.
Sabiam o que tinha acontecido uma a outra. Sabiam por pensamento dedutivo e porque houve historias antes delas. Quando o irmão de uma pulou na outra, veio correndo da oficina do tio não acreditando que os gritos seriam do gato recém salvo do abandono, não acreditando seu irmão não cumprir a palavra. Quando chegou havia sangue pela sala e o gato vivo e calmo deixavam manchas vermelhas na casa. As manchas, O gato, o meu gato em nossa casa. A culpa será minha imaginou até no outro dia ao visitar a amiga notar algo diferente. Embora não falasse nada, mancava e tinha alguns arranhões. Brincaram aquele dia, e quando ele começava a insinuar seu fim, fez-lhe um sanduíche de mortadela, e abraçou a amiga muito forte até chorar sobre seu cabelos o que o silêncio da outra não conseguia.
A dor, uma vez, mais que uma, tanto várias, sentira e deixara de sentir em pouco para ser muito. Foram mais de quatro vezes que homens chegaram e foram embora, falaram coisas parecidas, fizeram similares, em uma repetição onde tudo se perde, ao ponto de entender ser deste modo as direções das coisas. Mas ver a outra assim, irremediada, desfilada, feita de partilhas, teve vontade genuína de não se conter.
As palavras e as histórias elas também precisam de um descanso precisam ser postas de lado para se refazerem, olharem-se no espelho, notar suas próprias rugas. Quando elas se vão, quando o dia será pesado, de faxina e conversa com desconhecidos, pessoas de fora que vez e outra vem olhar as crianças, tentam conquistar a calma com bolhas e mais bolhas. Fazem bolhas com os lábios e para que não estourem eles trocam-se de bocas, beijam-se devagarzinho, cuidando de suas próprias criaturas, instantaneamente suas mentes são lidas e nada pode ser escondido.
As freiras também tem seus segredos, suas fontes milagrosas ou interrompidas. Em um dia, escondidas no quarto de uma a procurar algo que tivesse botões, um celular, um telefone, qualquer mágica que falassem com os dedos, encontraram duas próximas demais. Desfilava-se uma na outra como leoas, tateando uma armadilha, o melhor lugar para uma mordida eficiente. O barulho alto dos gemidos da savana desfalcou ao som dos pés durante a fuga e tiveram a impressão de ser aquilo muito distante e de impossível comparação com que sentiam, mas ainda presente, em uma insinuação ilegível ainda a elas.
Mais tarde, fazem o que fazem. Como imaginar o dia que suas barrigas se abrirão. Ao mesmo tempo, se seduzem a acreditar. No mesmo minuto! Primeiro eu. Uma dará o nome do filho da outra. Depois viajará por anos e quando retornar trocarão de filhos. Se a vida assim as quiser longe, mudarão de filhos durante boa parte dela, de modo que eles nunca saibam quem será sua verdadeira mãe. Ou se ficarem juntas, inventarão histórias. Inverterão seus nomes, os deixarão confusos, mesclarão memórias, primeiros passos e primeiras palavras, até que todos se sintam muito próximos um do outro.
Aramaram uma brincadeira nova. Quando o irmão chegasse, tropeçaria da escada. A brincadeira seria um acidente depois de ser uma brincadeira. Pensava até mesmo em culpar o gato. A amiga parecia não entender completamente, ou apenas não se permitir. O irmão chegou, no fio esticado em frente a escada, titubeou mas não caiu. A irmã então o empurrou com toda a força por outros cedida. As crianças falham em tentar matá-o e este cai mas apenas desmaia. Ainda há uma segunda opção. Uma faca escondida ali perto de propósito. Elas estão se olhando, a irmã ousa pegar a faca mas sangue está migrando da cabeça ao chão afora. O sangue de novo. E de novo acredita que as coisas são como são, acredita no acidente, no tropeço e nada nunca aconteceu nem este dia nem o dia que a amiga foi encontrada nesta casa. O irmão sobrevive. As coisas são o que os homens fazem com as coisas – ouviu dizerem um dia. Dias depois, engravida. O pai a chama de puta e a expulsa de casa.
Não tem raiva do irmão. Não como antes. Agora estão sozinhas, só elas, naquele lugar. Fazem tudo juntas, se aproximam como se o braço de uma fosse apelido do braço de outra. Se chamam pelos olhos. Não tem vergonha da nudez ou do choro, muito menos dos corpos desengonçados, das feridas, das estrias que os beijos tentam remendar ou apenas botar para dormir como um animal nômade no corpo. Aqui puderam crescer juntas. Ou não crescerem nunca ao mesmo tempo.
Aqui descobriram saber muito bem o que querem. Quando o tempo for limite não deixaram que toquem em seus filhos. Não deixarão que nenhum casal as leve para longe deste orfanato ou de volta a sua fazenda. Antes de tudo isto irão embora e terão sua própria casa, com seus filhos, sua própria vida. Isto não precisa estar nas histórias que contam de jeito exausto a cada fio de minuto. Não precisa ser traduzido. É um instinto compartilhado. Bolhas. Elas sabem, saber é onde ninguém vigia, lá dentro. Possuem olhos nos pés, agarradas uma na outra. Além do mais são quatro agora.
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