Apesar de já estar no quarto livro publicado a escritora
adverte: é a estreia dentro da estreia, tudo de novo
Tudo de novo tem um conceito divergente para escritora
paraguaia-brasileira. “É a minha arquibancada. É onde termino de pensar uma coisa
de fora para que ela vire uma coisa de dentro. É minha loja de penhores
particular: obsessão valiosa pela repetição tao terrível que nos faz alérgico
até mesmo ao caos”, me conta Lorna de dentro de sua rede, na cidade de Cuiabá. Lorna
ri nos momentos ambíguos, ambíguos pois ela os ri e então já são um momento
além do passageiro, e entardece o maxilar quando se menos espera. No começo de
nossa entrevista ela apontava fornecia pistas falsas como o cigarro retira do
da embalagem, porém, não fumado. O ventilador parado que pediu que fosse posto
na sala. O convite para fechar a janela, embora, não houvesse um pingo de vento.
“Tudo que existe não é algo que teve início ou fim. Tudo que
existe é algo que desiste. E assim se perpetua. É pura reprise mas não é disto
que quero falar”. Lorna recentemente fora convidada para o Festival de
Literatura da América Central, na Guatemala, onde comentou com jovens
escritores seu mais recente livro: Argumentos
da fuligem e da seca, onde volta ao tema recorrente de algumas de suas
obras, tais como a incestuosa relação entre a luta campesina e as missões
católicas. A publicação anterior O
Sangue-bom não lava o asfalto reuniu relatos de B.O.s e processos que correm na Justiça de Mato
Grosso, principalmente, relativo a crimes feitos por policiais na fronteira
entre Paraguai e Brasil. Com um ritmo coloquial e rápido, “como uma corrente de
ar que sabe de sua missão de trazer os grãos de minerais do deserto do Sahaara para a América amazônica” alguns leitores se dizem consternados, e até mesmo, enjoados
com as vozes ligeiras e cenários em giro. Quando pergunto a ela sobre o que
realmente este livro é sobre Lorna corta pedaços de rapadura, olha para uma
foto na parede de um mar aberto, e responde: “Este livro é sobre o primeiro
viking que chegou ao leste do canadá. O primeiro Chinês que chegou ao norte do
brasil. Ao primeiro polonésio que chegou em Rapa Nui. Este livro com certeza
não é sobre o primeiro português que chegou na costa brasileira. Eu gostaria de
fazer as pessoas gostarem de geometria sem a utilizar no processo. Eu gostaria
de fazer convites e não encontros. Eu gostaria que as pessoas trocassem os
dedos e tocassem as mãos. Eu gostaria que a geometria salvassem a roda de girar
sempre para o mesmo lado. Mas infelizmente não dá. Então eu escrevo. Eu escrevo
pelas cucunhas”.
A ciclicidade é um tema complicado para o escritor. Não para Lorna. O tom
circular da narrativa, que invoca recomeços da mesma ação, sem término ou
começo, com várias versões que não nos avisam se são a oficial ou não é uma
marca de Lorna. “Cansei de ver as pessoas morrerem sempre da mesma forma. A
mesma forma mata as pessoas antes. Porque tira a história, porque tira o nome
da pessoa. E reduz tudo. O bom seria ter outro jeito. Serem várias as
histórias. A história não pode ficar na mão do assassino”. Tenente Assis, o
advogado Gusmão Absid, o grupo Sidônica, a construtora Edgmann and Buddys. Os
assassinos de Lorna são tão maléficos ainda mais por isso: combinam suas
narrativas e na mesmice tudo é desimportante. Pois a mesmice é o dia in vitro.
Contudo, lembra Lorna, “o que me interessa é o que escapa,
onde se erra pois a palavra não chega. Porque a palavra meu camarada é a lei. A
lei é o holograma dos religiosos. E aí é onde não estamos”. Em A quem se
interessar, aceito mais um bocado, outro livro da escritora, o que não
falta é a manina pelo levante. “Nele eu imaginei o seguinte: quem sabe é você”.
A história, que em tese seria sobre duas meninas que saiem da cidade para
construir uma escola em uma cidade conservadora, propõe o máximo de um
experimentalismo que eu defenderia como o do não lugar. Uma hora Marine é
Catulo, o mercador da cidade. Noutra ele conta a vida de Marine por Leopolda.
Em algum momento Leopolda e Marine viram Pancho, o chefe de uma milícia que
presta segurança as cabeças de bois dos fazendeiros. Noutra Marine nunca
existiu e Lepolda foi um sonho. A escrita engana. “O texto é sempre algo a
mando de alguém. A escrita é reta, linear. Isto me entristece, pois, não é a
verdade. A verdade é que Pacho e Catulo estão vivos há mais de 5000 anos ou
muitos a mais e isto é terrivelmente desastroso. Enquanto isto, as mulheres são
o futuro”.
A escritora de 66
anos nos garante: a palavra é o último recurso, não deve ser respeitada no
primeiro bote, na sua medida de alfaiataria. "Eu diria: desconfie de tudo que gramatica (sic). Quando duas pessoas desconfiam temos uma conversa". Dizer vem de diccere, do latim, também com raiz no digitare, os dedos, sim, os dedos. “Eu gostaria que as pessoas
tocassem as mãos”, recordo as palavras da narradora. No inglês, Spell, antes era soletrar um
encantamento. Em Lorna, se retorna os antigos sentidos não porque voltaram mas
porque nunca se foram.
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