segunda-feira, 31 de julho de 2017

Lorna Munõtopo: formas de repetir e de desformar

Apesar de já estar no quarto livro publicado a escritora adverte: é a estreia dentro da estreia, tudo de novo

Tudo de novo tem um conceito divergente para escritora paraguaia-brasileira. “É a minha arquibancada. É onde termino de pensar uma coisa de fora para que ela vire uma coisa de dentro. É minha loja de penhores particular: obsessão valiosa pela repetição tao terrível que nos faz alérgico até mesmo ao caos”, me conta Lorna de dentro de sua rede, na cidade de Cuiabá. Lorna ri nos momentos ambíguos, ambíguos pois ela os ri e então já são um momento além do passageiro, e entardece o maxilar quando se menos espera. No começo de nossa entrevista ela apontava fornecia pistas falsas como o cigarro retira do da embalagem, porém, não fumado. O ventilador parado que pediu que fosse posto na sala. O convite para fechar a janela, embora, não houvesse um pingo de vento.

“Tudo que existe não é algo que teve início ou fim. Tudo que existe é algo que desiste. E assim se perpetua. É pura reprise mas não é disto que quero falar”. Lorna recentemente fora convidada para o Festival de Literatura da América Central, na Guatemala, onde comentou com jovens escritores seu mais recente livro: Argumentos da fuligem e da seca, onde volta ao tema recorrente de algumas de suas obras, tais como a incestuosa relação entre a luta campesina e as missões católicas. A publicação anterior O Sangue-bom não lava o asfalto reuniu relatos de B.O.s  e processos que correm na Justiça de Mato Grosso, principalmente, relativo a crimes feitos por policiais na fronteira entre Paraguai e Brasil. Com um ritmo coloquial e rápido, “como uma corrente de ar que sabe de sua missão de trazer os grãos de minerais do deserto do Sahaara para a América amazônica” alguns leitores se dizem consternados, e até mesmo, enjoados com as vozes ligeiras e cenários em giro. Quando pergunto a ela sobre o que realmente este livro é sobre Lorna corta pedaços de rapadura, olha para uma foto na parede de um mar aberto, e responde: “Este livro é sobre o primeiro viking que chegou ao leste do canadá. O primeiro Chinês que chegou ao norte do brasil. Ao primeiro polonésio que chegou em Rapa Nui. Este livro com certeza não é sobre o primeiro português que chegou na costa brasileira. Eu gostaria de fazer as pessoas gostarem de geometria sem a utilizar no processo. Eu gostaria de fazer convites e não encontros. Eu gostaria que as pessoas trocassem os dedos e tocassem as mãos. Eu gostaria que a geometria salvassem a roda de girar sempre para o mesmo lado. Mas infelizmente não dá. Então eu escrevo. Eu escrevo pelas cucunhas”.

A ciclicidade é um tema complicado para o escritor. Não para Lorna. O tom circular da narrativa, que invoca recomeços da mesma ação, sem término ou começo, com várias versões que não nos avisam se são a oficial ou não é uma marca de Lorna. “Cansei de ver as pessoas morrerem sempre da mesma forma. A mesma forma mata as pessoas antes. Porque tira a história, porque tira o nome da pessoa. E reduz tudo. O bom seria ter outro jeito. Serem várias as histórias. A história não pode ficar na mão do assassino”. Tenente Assis, o advogado Gusmão Absid, o grupo Sidônica, a construtora Edgmann and Buddys. Os assassinos de Lorna são tão maléficos ainda mais por isso: combinam suas narrativas e na mesmice tudo é desimportante. Pois a mesmice é o dia in vitro.

Contudo, lembra Lorna, “o que me interessa é o que escapa, onde se erra pois a palavra não chega. Porque a palavra meu camarada é a lei. A lei é o holograma dos religiosos. E aí é onde não estamos”. Em A quem se interessar, aceito mais um bocado, outro livro da escritora, o que não falta é a manina pelo levante. “Nele eu imaginei o seguinte: quem sabe é você”. A história, que em tese seria sobre duas meninas que saiem da cidade para construir uma escola em uma cidade conservadora, propõe o máximo de um experimentalismo que eu defenderia como o do não lugar. Uma hora Marine é Catulo, o mercador da cidade. Noutra ele conta a vida de Marine por Leopolda. Em algum momento Leopolda e Marine viram Pancho, o chefe de uma milícia que presta segurança as cabeças de bois dos fazendeiros. Noutra Marine nunca existiu e Lepolda foi um sonho. A escrita engana. “O texto é sempre algo a mando de alguém. A escrita é reta, linear. Isto me entristece, pois, não é a verdade. A verdade é que Pacho e Catulo estão vivos há mais de 5000 anos ou muitos a mais e isto é terrivelmente desastroso. Enquanto isto, as mulheres são o futuro”.


A escritora de 66 anos nos garante: a palavra é o último recurso, não deve ser respeitada no primeiro bote, na sua medida de alfaiataria.  "Eu diria: desconfie de tudo que gramatica (sic). Quando duas pessoas desconfiam temos uma conversa". Dizer vem de diccere, do latim, também com raiz no digitare, os dedos, sim, os dedos. “Eu gostaria que as pessoas tocassem as mãos”, recordo as palavras da narradora. No inglês, Spell, antes era soletrar um encantamento. Em Lorna, se retorna os antigos sentidos não porque voltaram mas porque nunca se foram.