sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

viva a alteridade

na ilhabela, numa casinha com argila, pedras, madeira. ponto turístico mas também perdiâncias e morcegos. deixara a cidade havia, espere. quatro semanas. quem sabe trabalhar, quem sabe poder escrever sem diferenciar um do outro. trabalhava sobre uma mesa de mogno espanhol. traduzia italianos, estônios, e mais recentemente, búlgaros. sua família era de rio branco, libanesa. mas a alteridade, eis uma dádiva voraz. a família é nossa primeira grande errata. rabisco. foi errando o sobrenome nos documentos que se mudou para campos do jordão, para o dormitório da faculdade de letras, para esta casinha feita de argilas, pedras, e madeira. tinha acertado com a editora este livreto. era de uma poeta italiana, de origem turca, quase morta nos campos de extermínio por dormir com suas patroas, ou roubar açúcar, não se sabe ao certo. apenas que gostava de açúcar e das mulheres. e escrevia poemas. não se sabe ao bem ao certo, se eram sobre um, sobre outro, ou além. porque a mulher se chamava vera tivera uma pequena dificuldade. porque sua mãe se chamava vera e não sabia ao certo porque sumira um belo dia, pelo ódio a família ou o amor por outras coisas. o açúcar ou as mulheres. argila, pedras e madeira. ruindo. pela manhãzinha, misturava hibisco com raspas de laranja do céu, e um pedaço de alfarroba. olhava os manuscritos da mulher. olhava a janela. era o mar que chamava sua atenção. era o ato de ignorar todo o mar. sogno de la pittura. parava. um livro inteiro, uma alucinação, a vida de uma pintura, seus sonhos, seus desejos, enquanto presa em um museu. ualida? mama? mãe? era tanta a identificação e a não. não tinha coragem. deixava os papéis intactos, em cima de uma pilha e sumia, enquanto trovava em uma rede. um dia pegou no sono. de manhã, antes da alfarroba, antes do ritual - quando os cavalos se alfabetizam a selvageria - retornou para sua mesa. batera nela. era mogno mesmo. havia uma nova pilha de folhas, neles, cinco poemas traduzidos direto do italiano. a letra era bela, firme, mas não sua. no dia seguinte eles já eram quinze. como um susto era um tempo parado, dormia até tarde, assustada, acordava-se, e lia o português fresquinho, como um pão cheirando afora do forno. os lia, se emocionava, tão belos. não contara para ninguém. ao invés disso, decidiu sair com daniel à noite, o jardineiro da quadra. enquanto bebia em uma taverna, a casa trabalhava. alguém. o livro estava pronto. o título trabalharam juntos. ela escrevera uma sugestão. mas no outro dia, a frase estava corrigida em cima da mesa. ela riu, comum novo arrepio batucando entre as extremidades da cintura. disse baixinho: obrigada. a casa continuou intacta. argila, pedras, madeira. depois deste, houve uma penca deles, dos textos traduzidos. ela dormia, e a casa trabalhava, a casa tinha um ótimo vocabulário. mas não gostava de palpites. caso fosse, uma xícara, ops, quebrada na cozinha. mas que humor! nem ligava, tomava muito sol, banho de mar, que no caso  não é banho, apenas um estar na água. não parou para pensar do que se tratava. um homem, uma mulher? nem tão mortos, nem tão vivos? o meio de tudo? ou vários deles, depois da vida, ficamos, uníssunos? eis um erro de caligrafia. um dos mentais, o erro buscado. viva o erro! a conquista. viva ao mar daniel. era um mistério como trabalhava tão rápido e tinha tanto tempo para treinar o frescobol. os tradutores trabalhavam no mistério, os tradutores tem um garfo especial para lidar com o tempo, enganasse quem escava a terra com uma pá dizia, depois de umas doses de conhaque. argila, pedra, madeira. viva a alteridade.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

da impureza inútil de ser sincero

eu queria dizer este é um poema sobre sexo. acordar a três passos deir embora, beijar como quem corre para longe, perto como quem foge. a sensação de ficar em cima de alguém ficando em baixo, vice-versa, desafio do grito uníssono, não é só uma a linha de chegada, um novo batismo quando raspaste o seu nome aqui. loteria. eu queria dizer este é um poema sobre a pornografia, dois homens se tocando enquanto um terceiro é tocado pelo nada, sozinho, respira pelas mãos com as mesmas mãos que agarra a comida, que deixa escapar um número de telefone, os três homens gozando. mas não posso. porque embora inacessível a mim e a outros este é um poema sobre o amor seja lá o que isto queira ser, um poema sobre sua independência, este é um poema sobre você portanto seu cabelo, seus dedos portanto o destino romenno de sua pele, a cair aos poucos, muito num mesmo local, eu não sei o que isto tem a ver comigo, eu queria que este fosse um poema sobre o anterior ao tempo, aos primeiros símios, cerceamentos, o rio jordão, a normandia, a palavra antes dita dos tapajós

talvez um dia este seja um poema sobre dois cavalos selvagens
meio sem saber se ir é retornar
ainda com as esporar mas soltos esse tipo de coisa e só.

2014

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

o cara

uma vez o amigo do meu amigo conheceu esse cara. o cara tinha uma casa que era um andar. na geladeira do cara o cara guardava uma planta. uma planta na geladeira. mas essa não é a história. o amigo do meu amigo conheceu primeiro a foto do cara na internet, depois o apartamento do cara, depois o cachorro do cara. eles transaram e depois o cara colocou uma música do ed sheep no sistema de som, botou bem alto, até as pinturas até ameaçaram cair e parecia que a sala tava gargalhando por isso. o cara disse você vai comer comigo agora. o cara cozinhou berinjela, fez uma salada com um pepino e cenoura. o cara contou uma história, de que seu avô veio da moldávia,  e por isso o dedão direito do cara não tem sensibilidade. “meu avô perdeu o dedo, não numa mina, mas ao se descuidar com a enxada, talvez pensando no navio”. “meu avô tinha medo de água” disse o cara. o cara falou isso, disse meu amigo, porque o clima ficou esquisito depois de uma grande lambida de silêncio. o cara pensou que algo estava errado, tipo, o cara poderia ter outro cara, e o tempo do outro cara chegar estava acabando, ou o cara poderia ter gravado os dois caras fazendo sexo há dez minutos atrás em cima do tapete. mas o cara então fez uma voz diferente e meu amigo pensou algo do tipo como ele escondeu também essa voz?será que ele tem outras? será que se transarmos de novo será com essa voz e não a outra?, e dai meu amigo colocou a língua no penúltimo dente debaixo e descobriu um pequeno cabelinho preso, meu amigo culpou o cabelinho pelo mal estar e logo esqueceu. os dois jantaram e meu amigo foi embora. meu amigo e o cara transaram mais uma três vezes e nunca mais se falaram ou tiveram amigos em comum. então um dia meu amigo conheceu um cara que conhecia esse cara. parece que o cara tava muito gordo, e com um problema muito sério, disse o outro cara. então foi aí que meu amigo descobriu que o cara era viciado não em outros caras, não em sexo, mas sim de pegar caras, fazer sexo, mais especificamente, colocando comida dentro do cu dos cara e depois comendo ela logo em seguida. o cara gostava de comer a comida que tava dentro do cara junto com o cara, resumiu o cara amigo do meu amigo. mas ele não fez muito caso, com esse cara esperava, só ergueu as sobrancelhas como um airbag em uma propaganda, e depois de me contar, ele disse pra mim “tenho até hoje o cabelinho do cara, é tipo uma coleção de selo, só que são pedaços de caras, cabelos no caso”. depois meu amigo terminou seu cappuchino e postou a foto dele quando estava cheio na internet. Nunca mais falamos do cara.