domingo, 6 de outubro de 2013

para tirar o ouvido da tomada

pensando agora não faz nenhum sentindo nós que nunca nos víamos decidirmos respirar ar puro justamente no dia que a chuva não oferece intervalo um dia em que a cidade é pequena e no excesso que sobra uma ou outra lembrança esquece de nascer mas era noite e o pior de tudo parecia que sempre seria naquele tempo eu testava figurinos porque acreditava fielmente que assim que se começa a escrever uma peça primeiro as roupas depois os personagens eu queria escrever tanto uma peça de teatro eu lia a biografia da lillian hellman e suspirava serpentes contra meu ócio manso mas eu era tão ruim em diálogos lembra o que será que se diz mesmo na hora que você mente não recordar de ninguém exlido é uma palavra que existe será hein e nesses momentos uma caverna surgia e juntas apostávamos uma corrida até onde o chão subia quando eu conheci vocês eu demorava o que quase um minuto para terminar de falar uma palavra porque nunca sabia se ela realmente ou se eu tinha inventado será uma deselegância parir uma nova palavra e não avisar ninguém eu pensava enquanto falava tão devagar esssseee éééééé ooo llluggaarrr onnndee dessapreeendii aaaa assobiiarr vocês escutavam tudo com uma paciência gigantesca em 8 minutos muitas pessoas poderiam ter decidido me deletar de uma memória com gosto de pêssego ou açúcar mascavo mas não vocês apenas ficavam ali conversando sobre cesare pavese e ana hatley jurando um para o outro não se atirar da janela do apartamento de um amigo ou atender o telefone sempre do mesmo jeito aos poucos eu ia lendo seus textos escrevíamos cartas e ficávamos calados quando nossos amantes entravam na sala porque eles não poderiam saber de jeito nenhum que só o beijávamos para ficarmos mais sozinhos enquanto isso uma enchente acontecia na minha boca e depois em casa eu criava umas cem espécies diferentes tentando entender o que eram aqueles textos porque ninguém nunca me disse que um varal de roupa também tem família fazia tanto frio naquele dia e a mochila estava pesada com todos os livros que eu decidi que vocês deviam ler então vocês finalmente chegaram demoramos para pedir o café eu lembro de pensar nossa é como se ele tivesse agora me dando 40 anos de sua vida mas ao mesmo tempo na bochecha direita estava aquela conversa tida com o avô quando ele contou que resolveu ser arquiteto para poder velejar e você tinha 8 anos quando entendeu que não precisava entender nós fumamos muito e eu disse algo do tipo "eu me recuso a chamar uma colher de talher " ou "tu não vai acreditar mas todos os meses no fundo são outubro" você deve ter rido e passado a mão em minha cabeça chamado atenção para um descuido de caráter do tipo "quando começou a usar saias e acreditar em flores" eu lembro que chovia mas chover era como habitarmos uma mesma cabeça e eu estava orgulhosa de nós dois lá lutando contra o mal tempo eu te olhava e era como ganhar uma lucidez gigante do tipo nós dois sabemos que a pangeia sempre foi imaginária e que no fim só vai sobrar isso nosso mapa íntimo para nos perdemos debaixo de qualquer escada de qualquer parte no fundo eu achava que se não fossem as roupas poderíamos usar o nome um do outro atrás de assinaturas e que o único problema de dividir um mesmo guarda-roupa com alguém é ter coragem de sair dele

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

quando sonhei que esqueci meu nome se foram 30 quilos

no ocaso se levar de brinde

eu tinha 22 anos e estava fugida. perdida. decepadas todas as cabeças. inclusive as da vitrine. liquidação. eu tinha certeza absoluta de que 49 é o número posterior a 22. eu tinha esse emprego e arrastava minhas roupas para lá. ficavam as roupas trabalhando enquanto isso eu ia tomar um chá de clima temperado, ler Auden e enrolar o cabelo para testar minhas nada táticas de convencimento. não conseguia prestar atenção nos lembretes de bom comportamento como por exemplo "olhe para o lado antes de atravessar a rua". eu sempre pensava que as ruas tinham tantos tantos mais lados do que aquela singela impressão proporcionava que diante da impossibilidade imediata de captura nem me dava ao trabalho de, ao trabalho de tentar. eu tinha um par de botas. era verão. e eu com aquelas botas. as pessoas falavam comigo. 17 minutos depois eu percebia que haviam falado comigo. 17 minutos depois é um tem inválido para voltar atrás, para resolver seguir alguém depois de perder de vista, nesse tempo essa pessoa já pode ter ido da zona sul a zona norte ou inventado 287 apelidos novos para você. meu cabelo era mais comprido na esquerda e por isso sempre achava que tinha alguém atrás de mim. isso me deixou neurótica por um tempo. eu fugia de qualquer lugar se pensasse que uma situação de perigo é aquela que você não precisa se desculpar. você simplesmente vai embora da exposição do seu amigo, do aniversário de sua sobrinha, da aula de fotografia. depois diz, é que pensei que estava em perigo. aquele cara tinha cara de acidente. aquela mulher tinha 30% de chance de me confundir com uma de suas antigas minas de ódio. senti cheiro de gasolina. fui prudente. sou responsável. quem saberá o que poderia ter acontecido se eu ficasse lá? sabe quem ficou lá? john lennon. e veja só o que aconteceu com ele. eu usava desculpas ridículas como essa o tempo todo. eu voava de um lugar para o outro por causa dos cigarros. ou porque acabava, ou porque não era permitido fumar. e se eu me apaixonasse por alguém eu errava a direção da fumaça, de propósito, nas últimas semanas de término eu sempre saia com alguém com cara de nuvem cinza. era assim, não sabia se ia ou vinha, ficava pouco tempo nas pessoas, lugares. usava roupas muito coloridas para não ser atropelada já que eu sabia meu comportamento errante nesse meio. mas então um dia acordei com a sensação de que tinha a ideia de um texto muito bom. porém logo a esqueci. então lembrei de meus últimos relacionamentos. eles também tinham parecido uma boa ideia. resolvi parar de escrever,a hora, eu olhei o relógio na hora: 16:59. foi quando eu me senti realmente livre na minha vida, um minuto antes. antes, desde de tinha uns cinco anos e aprendia sobre miguelângelo nos tartarugas ninjas eu sentia de que eu tinha que escrever. era uma obrigação terrível que roubava todo aquele suor reservado especialmente para o mercado de trabalho ou a lucidez no supermercado ou na hora de convidar alguém sério para transar. isso era passado. e fui discutir kracauer ( o alemão não o norte-americano é claro) e adotar um sonho antigo de cultivar oliveiras. eu usava um chapéu de pescador para as pessoas não me classificarem como interessante ou me reconhecerem. tinha medo que soubessem que na verdade não sei desenhar um anzol e confundo ele com a letra J. fazia exatamente 1 ano que eu tinha comprado aquelas botas. aquelas botas que eu gastava ao tentar correr atrás dos 17 minutos perdidos. 1 ano fazia que eu tinha deixado minha bicicleta em uma oficina e nunca mais ter ido pegar porque eu não sabia pedalar chorando. fazia um ano que eu tinha esfregado a minha voz contra um paredão de pedra-granito para que ela tivesse medo de sair de casa. que eu não tinha mais barba nenhuma porque meu antigo namorado resolveu ficar velho sozinho e que na verdade eu só gostava da barba dele porque eu não tinha nenhuma e isso era uma coisa com a qual simplesmente eu tinha que lidar. eu não percebia mas a paisagem atrás da foto realmente estava mudando, eu comecei a gostar de rosa. às vezes eu conseguia sorrir para as pessoas e conhecia as suas casas. mas era como habitar um estômago. então eu sentia nojo, a biologia me detestava. mas aí eu coloquei um anúncio no jornal. o anúncio dizia: "ninguém lê jornal". ninguém me ligou na mesma hora. combinamos de dividir nomes para uma bergamota, eu chamava de bergamota ele de tangerina, tudo isso enquanto as comíamos (eu detestava bergamota mas a chamava mesmo assim por orgulho). com vergonha da vergonha, tive que engolir as sementes, seis semanas depois minha amiga riu quando disse estar com medo de estar grávida de uma árvore. ninguém me contou que era homem e mulher que trabalhava e não trabalhava e que a única certeza que tinha era que nunca mais usaria calças. detestava. mas sua voz era muito feia e paramos de nos falar. contudo ele/ela tinha um sinal na bochecha que parecia uma castanha. aquela pequena impressão de unicidade me deu revitalizou o teatro bombardeado. me deu vontade de voltar a escrever. eu tinha 22 anos e não tinha conseguido ser surfista, nem patinadora, baixista ou redatora de cartas de rompimento anônimas ou pesquisadora de onomatopéias. mas eu tinha a ideia para um livro. para isso, tinha que escrever, em tese. mas eu não me dava bem com meus pais e morava com eles. todos meus amigos eram gays e naquela época talvez eu fosse e meus pais faziam cara feia para isso. eu nunca estava em casa. e só conseguia dormir no sofá porque não tinha forças de subir as escadas e encontrar sempre a mesma coisa: um lugar onde não havia ninguém nem eu mesmo. eu cheguei para meus pais e disse: vou estudar história da arte. minha mãe está surda até hoje e eu minto que sou loira ainda. nós brigávamos porque eu usava blazer e não era os anos 80 mais faziam 20 anos. depois de uma briga minha pele concretava toda e eu não conseguia flexibilizar os ângulos necessários para escrever. eu estava confusa. meu gato fazia xixi nas roupas que estavam no chão do meu quarto. eu não tinha mais o que usar. eu jogava tudo no chão. tinha decidido parar de fazer sexo. não concordava com o fato de não poder inventar novas palavras na primeira conversa com alguém. era muito exigente ou nada exigente. uma vez cheguei em casa e pensei quem é essa mulher? é tua irmã respondeu meu pai. eu não fazia ideia. todo dia eu colocava um relógio no pulso para enganar a todos que eu era íntima do relógio. eu não sabia nem ler os ponteiros. mas tinha a impressão de que o braço cairia se  não usasse algo assassinadamente realista como um relógio. eu só sabia que precisava aprender russo e parar de procurar nos reflexos dos restaurantes alguma conversa que eu tinha esquecido de ter com alguém. eu saía por aí recolhendo qualquer material de construção e dizia, no futuro, esse cupom de pipoca será importante. um dia irei decorar toda minha casa com tudo que eu esqueci de dizer para aquela mulher. teve uma vez, estava eu e mais três amigos, todos tido o figurino escolhido por um terremoto. nós abrimos uma cerveja, naquele tempo bebíamos muito e dissemos em voz alta: o que acontece se nós levarmos uma sacola dentro da sacola? eu tenho 22 anos, uma bagagem só de malas, e um dia só sabe existir tropeçando no outro.