Procuro pelo cantor. As ruas negam sua função. Me atrapalham.
Enchem as pernas de cascalhos antigo. Contudo, sou branca que nem uma
recém-nascida e não desisto. Continuo as peripécias infinitas para a lógica.
Vês como estou mudada meu bem? Hoje aceito no estômago até o que não é
literatura. E faço barca dos olhos onde a luz falta. Aprendi muitas coisas nos
desprazeres, como por exemplo, nos vemos inteiros apenas nos pedaços. No
pensamento estirado, nos dedos amputados. Não concorda benzinho? Sei que falo
solitariamente. E que essa incrível produção de disfunção da língua escrita não
me deposita um centavo ou me garante um amor. Sei os caminhos exatos para me
desfalcar. Nisso sou expert. Já ganhei
um alambique e eternas dores para cabeça brincando de engenheiro de
mentira. Mas agora, depois do falso telhado e todas as tentativas na arma de
brinquedo, ano por aí. Vira e mexe rebolo nas escrituras. Falo mal do gramado
alheio. Gasto tempo no escuro, nas conversas cíclicas, nas falsas promessas e
enganos mútuos. A pegadinha é que emagreci. E bastante. Foi-se foi a fome, mas
o peso ficou, a sufocar os animais do rosto. Podes me ver por aí sempre quando
ousares comprar teu próprio mal em uma banquinha de revista, em uma conversa
arrependida. Em um vai-vém nostálgicos. E assim se vão as semanas. Os amigos
envelhecem por dentro. E daqui ninguém me convence que sou jovem. Conquisto meu
próprio rosto durante o banho (o que dele sobrou). Sei dos buracos
irredutíveis, da mata silvestre que cresce nos descuidos da oleosa pele. Tenho
aquele corpo do tipo das possibilidades reduzidas. Das apostas cansadas. Dos
remendos que desistem de tentar de novo. Do elástico cansado que entrega-se. Há
uma guerra para ser ganha e nenhuma esperança nos pentes das armas. A
violência, minto, não gosto. Observo o temporal que nos destelha e faz sair
frases rudes, adeuses malcriados e sedes selvagens. Só observo. Enquanto isso,
sigo o caminho do corpo e os ossos de sempre me moldam. Nessa casa fico,
reciosa e anônima. Faço minha concheira. Estabeleço laços espirituais pelo jogo
de forca. E se me obedeço, é deslize. Hoje me vi verdade: me pintei falsa suja
louca para merecer um lugar na dor. As justificativas riem fofoqueiras de
longe, não me dão a mínima. Sem motivo
mancho o rosto só por acordar, rotina de se esquecer.
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Tese de Espelho - Tese 5
Você está na cozinha dele. Agora você procura entender
coisas, muitas coisas, dentre elas o porquê daquela coleção de pimentas
(vermelhas, pretas, americana, branca, chilli) -
nomes pronunciadas com entonações de carinho semelhante a falas sobre pais e filhos.
Aliás, quando foi que investigar as discrepâncias, sabores e anatomias das
pimentas começou a ser tão assim importante para ele? Silêncio. Você o olha imaginando
como o perdeu. Quando foi o momento da ruptura, da explosão, do blecaute. Agora
você esconde a mão na barba para demonstrar interesse alheio, uma estratégia estranha. Ele fala das Filipinas.
Vocês estão na sala. Ele te mostra fotografias. Numa delas nativos da tribo Tagbanua pousam ao lado dele. Um dos locais, o mais alto que os demais, usa um chapéu
que você o deu. Que você o deu. Era fevereiro de um ano que começava e você o
presenteou com aquele panamá legítimo dizendo “para que o sol só te traga boas coisas”. Você pensa
como que do outro lado do mundo alguém usa seu ex-chapéu. Como foi que a sua
memória viajou tão longe. Mas agora você se dedica a raciocinar de forma preocupada aonde estava
enquanto as Filipinas e todo o Mar de Sulu era terreno de caça de futuro para ele.
Enquanto que ele corria atrás de herbívoros exóticos, de exóticas dançarinas
locais, de toda a biologia que antes nunca tivera dado tanta atenção, você
fazia o que mesmo? Lavava a louça ao som de T-Bonne Walker se achando o centro
da festa do mundo, procurava uma remuneração decente em anúncios na internet,
usava sempre as mesmas desculpas para não sorrir. De tal modo que quando ele
chegou de viagem você temeu perguntas do tipo “e você como está”. Você temia
dizer que aqui o tempo não passou apenas se fez de morto, que aqui só a espera
lançou seu tapete vermelho para qualquer surpresa que não compareceu ao
encontro, que aqui você continua o mesmo, apensar de tudo – o mesmo. Ele está
feliz e decide te apresentar uma nova bebida que trouxe de Mali. Parece
estar disposto a fazer tudo para te convencer que para alguém no planeta você foi ausência. Que
você importa. Te fazer sofrido é uma maneira de te elogiar. Ele serve a vocês dois. Você está cansado. Já havia começado a
beber cedo, no meio da tarde, entre uma justificativa e outra – ambas furadas.
Ele só fala sobre o que você não conhece. Talvez ache que esse
desconhecimento faça bem a você. Te tira do sofá da realidade. Refresca. Talvez ele só queira te convencer que a
distância fez bem para todos. Ele está bonito, está tão bonito quanto o dia que
foi embora. Ele já foi embora tantas vezes que você sempre o olha como uma
partida que ainda não aconteceu. Talvez seja isto que o faça bonito. Ele tem o tipo de fraqueza que você gostaria
de ter, a de não se importar, aquela que faz abrir os olhos ser ao mesmo tempo uma fuga. Você o vê com convicção. Mas não consegue se
concentrar. Você lembra de uma viagem que fizeram. Um sítio. Um final de semana.
Vocês supostamente dividiriam o mesmo quarto. As malas de vocês dois, juntas lá
estavam, mas ele nunca apareceu para dormir. Sozinho. Você lembra que naquela viagem o
encontrou chorando baixo, perto de uma cachoeira. Foi um abraço forte, o que
você o concedeu. Você não perguntou nada, exclamou silêncio, o respeitou até o exato
ponto de só o dar o que ele precisava – a certeza de uma proximidade. Você
lembra de tocar a pele dele mista de águas, pele delicada, correntezas de suor
e água doce, a natureza e o homem cobrindo os mesmos braços e pernas. Você
lembra que o abraço fora intenso, que você o pressionou contra seu peito – você
lembra da força necessária que fez de propósito para poder sentir os ossos dele contra os seus. De
encontrar o queixo na descida do pescoço dele e forjar uma espécie de calma.
Ainda depois de tudo isso, você dera a ele um sorriso que nem sabe de onde
tirou. Mas agora você retorna a essa sala. Se pergunta se este estoque de sorrisos já acabou, sendo usado sem escrúpulos no tempo. Ele pergunta sobre os amigos de
vocês em comum. Você sente o cheiro de apartamento fechado, o tempo apodrecido
nesse décimo andar, enquanto que ele: longe. Pergunta de Aléxia. Você
trava. Guarda os olhos apontados apenas para lugares vazios Você começa a
imaginar aquele tempo. Pensava que hoje seria apenas vocês dois e o presente. Questiona se ele realmente tem direito de mexer nos antigos papéis, que tanto tempo você demorou para organizar. Se sente traído pelo despertar de memórias. Violentado. Mas acaba por lembrar dos dois juntos. De repente, enquanto seu amigo fala,
emocionado e cabisbaixo sobre isso que nada mais é um sonho abortado, um choro
enterrado vivo, você só os imagina ali, naquele apartamento. Ambos nus. Transando.
Naqueles toca-discos, naquela rede da sacada. Seu amigo a fazendo gritar em
cima do tapete, ela o chupando no balcão da cozinha. Ambos desesperados em
fugir um para o dentro do outro, em foder até o suor secar. Você pensa naquela paixão como energia perdida. Como um passeio no precipício. Aquilo o enoja. Primeiro porque o filho que veio de tantas trepadas até o amanhecer foi uma melancolia com dentes de ferro que nunca largou dos braços dele. Uma tristeza sem cálculos possíveis. Você se sente estranho de imaginar ele de pênis ereto nos dias de ontem com ele te olhando tentando convencer que agora é outro. Enquanto você evoca
essa pequena viagem incontrolável e assustadora, perde um pouco da conversa.
Durante alguns minutos você não ouviu praticamente nada do que ele disse e absolutamente
não faz ideia do que falar agora. Você corta o assunto que nem sabe do que se
tratava, pega uma cerveja do congelador. Você está absolutamente dentro apenas
de si mesmo desde que chegou aquela casa, louco para sair, louco para não lembrar do que ele
representa, do que ele traz à tona. Mas então o olha. Suavemente diz que sentiu sua
falta, enquanto o antigo desconforto de segundos atrás vai indo embora e você
sente o que fez o que deveria ser feito -
o que se esperava. E de fato você sentiu isso. Durou pouco aquele adorável esquecimento daqueles anos. Mas agora ele retorna e rompe com esse seu doce passeio lhe dizendo o quanto que é impossível fugir de algo vivo. Passado, porém, vivo.
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