sexta-feira, 3 de junho de 2022

susana

nós achávamos que todos iam morrer. todos os vivos. digo todos que pensavam, sabiam, estar vivos, viviam a vida com uma sana de consciência. alguns já pareciam ter ido. suar cabeças, solilóquios desistentes, o corpo lento. estávamos em um quarto de hotel, havíamos chegado fazia uma semana e meia em Lima, e logo após, decretaram o toque de recolher. uma misteriosa doença. na américa latina? já havíamos sobrevivido a tudo, tudo longe era uma doença. parecia um deja vu historico eu comentei com susana logo nos primeiros dias. minha mulher me amava, sim. mas não o suficiente para me responder? não o suficiente para me contar o que passava, seus pensamentos distantes, encolhidos, periféricos. minha mulher me amava mas o amor nunca foi algo o mais relevante. o definidor. susana já estava distinta havia alguns meses e aquela viagem era uma desculpa para que pudessemos ficar distintos mas com uma razão a mais, exterior. eu a observava como um pássaro insistente, num dia de chuva, com  a barriga em pedaços. buscava em seu rosto qualquer rastro que poderia ser lido como um a palavra.

susana sempre foi cabeça dura. um teimosia charmosa, que vira impulso, e arrisca ser sedutora. nunca entendi porque me procurou. os anos que passamos juntos foram os melhores de minha vida, com certeza, mas como foi comigo, poderia ter sido com qualquer um outro. eu amava susana ao ponto dela me desprezar por isso, minha busca por compreensão, minha incapacidade de ficar irritado, meu trabalho árduo em mima-la, em demonstrar-me alegre com qualquer pouco, a minha não exigência de sua presença, de seu modo de agir, incapacidade de critica-la. não buscava compreender com análises sórdidas e psiquismos baratos o porque disto, mas sabia que a causava um desconforto. embora estivesse ali semrpe tive a sensaççao que minha mulher stava em outro lugar, como se esperassemos alguem que iria chegar a pouco. tenho essa sensação desde a primeira vez que a vi e nunca desapareceu. como se aquela fosse quem ela era mas ela nao gostava de quem era. quem seria essa pessoa? o que ela queriria? como seria susana perto dela? uma mulher ainda mais irradiante? alguem capaz a cedear a tudo?

a essa altura eu ja sabia o seu nome e endereço. eu mesmo já tive alguns casos com homens na faculdade e na adolescência, dois ou três, que me fizeram perdoar o resto de todos eles. encantamentos temporários, que nunca deram em algo mais sólido. mas aquele homem, entendi completamente minha mulher. era um grande jornalista que recentemente tinha sido demitido de um meio de comunicação importante de nosso país. tinha varios livros publicados, era destemido, escrevia sobre tudo: moda, esportes, crime organizado. era conhecido por um temperamento forte mas tinha, eu diria, olhos doces. olhos doces e levemente despencados o que conferia uma leveza a tudo que falava.

foi através de ana que descobri o nome de Federico. Susana só o chamava de um antigo namorado. não contava nada pontual, tudo era genérico. eu tive pena de minha mulher por algo a doer tanto. eu tive uma curiosidade tremenda de saber o que se passou. depois que ana tocou em seu nome, busquei outros amigos, professores da faculdade, trabalhos que estivessem atuado juntos, até o dia em que eu mesmo entrei em contato com o próprio. tinah acabado de ser demitido, a namorada havia o deixado. fiquei tão mal por ele que o convidei para um choppe, para nos conhecermos pessoalmente o que seria um risco. ele não se deu ao trabalho de pensar direito, me tomou um por um fã louco, um ex colega de trabalho que não recordava muito bem, um antigo aluno. precisava que alguem o buscasse de carro e pagasse algumas rodadas em seu bar favorito a lapa. precisava escutar as musicas alegres que mais amava e chorar e lembrar que elas tambem o faz chorar e precisava de alguem junto. se minha mulher descubrisse acho que nunca me perdoaria. considero isso uma pequena traição contra susana, mesmo com a melhor das intenções. era uma traição. me coloquei em primeiro lugar. e minha curiosidade ocupava um andar inteiro.

entre uma rodada e outra falou, falou. desabafou como se fossemos amigos de longa data. chamava por nome, sem contexto algum, pessoas como se eu as conhecesse. estava quebrado, deserdado por parte dos pais, tipos ricos da zona sul mas com péssimas filiações politicas, na faculdade estava sendo investigado por um comite de etica depois de dormir com uma aluna e só dava três disciplinas, incluído, etica. etica jornalsita. ele ria sozinho. falou que o ultimo livro estava na editora mas queria mesmo era sair por ai, escrever uma reportagem sobre a madeira na amazonia, ir a campo, investigar a monocultura no cerne das pequenas cidades, entende? nas igrejas, nos bares, falar com a gente. ele dizia que a monocultura não tem a ver com terra, é um tipo de pensamento que dispara na cabeça de pessoas, das mais gentis as mais familiares até as mais violentas. essa gente que vive nesse lugar de um dono só, com uma ideia que o tinge durante qualquer fio de horas. onde o patrão é tudo que há em volta. citei um faroeste de sergio leone, dos que vivem para trabalhar e trabalham para não morrer. ele riu, conhecia o filme, é claro. o peguei em cheio.

uma hora foi ao banheiro e quanto voltou, depois de escoar tudo que necessitava, finalmente perguntou de mim. acho que a cachaça o fez esquecer como favia parado ali, talvez, em sua nova reconfiguração de memoria, tivessemos dividido uma cerveja interminavel no boteco e assim que nos conhecemos. ar sou advogado, eu disse. advogado tributário. ele gargalhou como se estivesse o contando uma piada. esta é a hora que você me conta o que realmente queria fazer com sua vida, ele me disse e eu deixei o silencio inundar o ambiante. não tem mais nada que eu queria em minha vida, o disse denunciando minha pequenez aos olhos daquele sujeito. me preocupava com a manutenção. em manter o que já tinha. em segurar firme um momento e mergulhar nele cada vez mais, isto me dava um senso de movimento. estar. realmente estar, entende? ele logo desviou o assunto. não estava interessado em mim. ele era bonito em sua contradição. quando perdia as palavras ou o sentido da frase abaixava a guarda. era frágil. seria ali seu encanto? mas na maior parte do tempo era apenas algum rude, cansado, que falava dos outros para falar de si em uma filatropia disfarçada. um gozo coletivo que se resumia em uma piada interna. me perguntei se havia um serviço público neste comportamento. o homem não vai ao consultório do terapeuta mas denuncia uma quadrilha de roubo dee agrotóxicos ilegais e tudo é perdoado. minha mulher se parece menos interessante perto deste sujeito. não sei se puderia me apaixonar por ela. teria o deixado? penso no desespero de ser deixado por um tipo assim. nos sacrifícios que fez que nunca faria por mim. vejo brigas diárias e um sexo que parece valher a pena até que ele acaba. que seria bom também porque se acaba.

o deixei, paguei a conta. o pus em um taxi. podia sim ter ido a sua casa. termos bebido um uisque, tentado ver as fotos de susana em algum lugar. como quis ver as fotos um dia como quis imagina-los juntos. em minha mente ele era um tipo especial, com uma aura encantadora. um tipo a altura de minha mulher, maior que sua afetividade. atraente, justo. não me doia pensar neles juntos, ao contrario, me intrigava. confio em minha mulher tanto que confio até o passado. de quem escollhera para sua vida fosse alguem que nao a botasse em perigo, que fosse alguem que tinha a maquinaria da mente composta de uma forma genuínamente avassaladora. me senti confuso e de chateado, brochado até mesmo. desejava nunca mais o ver. desejava ter devisto o que vi. era um coitado, pensei. um lindo, bonito mas patético coitado. que  mesmo depois de ser deixado ou de fazer ir embora uma mulher a altura de minha esposa, não mudou em nada. era imutável perante as circunstâncias como uma era geológica. estava tão só como uma broca.

foram 14 dias naquele quarto de hotel. susana emudecida em frente aos telejornais em espanhol. eu me trancando no banheiro para falar com ana, minha amiga, me sentindo culpado por seu desprezo ou silenciamento. mas havia isto, uma doença misteriora nas ruas, estavamos no exterior, a televisao estava falando o idioma materno idioma da infancia de minha mulher, longe de casa, sem saber se viveriamos, se voltariamos, com as pessoas tendo os mais estranhos sintomas, impedidos de andar, como bois em uma baia. não era apenas o mesmo quarto de hotel. minha mulher estava presa no mesmo pensamento. não podia perguntar qual era não poderia me contar. mas poderia se irritar comigo. aquele podia ser o fim do mundo e ela estava comigo. nunca me fez para o fim do mundo minha mulher, sempre fui uma espécie de enquanto profundo. enquanto algo não acontece. enquanto ele ou ela não chega. sentia medo de em sua respiração ouvir o barulho escapando de sua imaginação, a fantasia de pegar um avião e encontrar com ele. aquele sujeito. ou qualquer que fosse. até mesmo apenas estar só. era como se a vida estivesse finalmente começando. 

foram dias em que me usava para dormir. e as palavras eram cobertar de mais silêncio. não a reconhecia. via nela a tristeza dele. via o egoismo dele no olhar desviado, a falta de coragem no modo de segurar os talheres. não tendo mais nada  perder, antes do fim da temporada de lockdown disse para ela que conheci um ex-namorado seu. foi sem querer, nos cruzamos em um bar. não contei antes não entendo porque, acho que precisava pensar sobre o meu lugar. pensar em mim mesmo, eu a disse. me olhou assustada como quem busca um local para se proteger. não sei se era vergonha, repulsa, raiva. se sentia-se extraviada, invadida, descoberta ou se apenas eu tocara em um assunto que não era de sua preferência, que era algo perto do nulo. minha mulher ficava cada dia mais irreconhecível para mim. não falei a verdade. que gostei do sujeito pelas razões erradas e intuo que ela tambem o gostou por essas razoes. que pensando bem não gostei do tipo. que aquilo não me agradava porque ia contra o que pensava dela e nao pelo que vi nele. naquele dia misteriosamente as porta do hotel se abriram. depois de algumas semanas a misteriosa doença assim como chegou se foi. entendi que precisavamos ir embora. o que mais me machucava em isso tudo era estar com alguem que entendi ser uma pessoa covarde. senão tinha coragem para estar com aquele tipo não tinha como eu estar com ela. o amor não se explica, uma vez ela me disse. citei a frase a ela e em seguida o expliquei. abri meu coração como uma sanduichera. entreguei tudo que tinha sabendo que morreria de fome nos próximos meses. queria que minha mulher fosse mais. sempre mais, sabia que poderia. ao chegarmos no brasil a deixei.