quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

vamos falar sobre útero

Quando Julieta começou de uma hora para outra a se dedicar ao tricô, ela realmente foi longe demais. Volte uma semana e encontrará em seu quarto um estranho hálito de mumificar. Volte uma semana e encontrará em sua cozinha tentando maestrar os poucos dedos que não sofreram danos entre a faca e a tábua de picar. Volte uma semana e verá a cara de sua mãe, Vera, uma polaca cuja moral fora instruída pelo clima árido da depressão central, entorpecida de braveza por novamente ver a filha ser reprovada no exame da autoescola. Por isso a surpresa quando ela misteriosamente se descobriu uma ótima costureira. Ela cuja mesmo a habilidade mais simples como a de respirar fundo era passível de incapacidade. Ela agora conhecedora dos fios, das tecelagens, das grossuras exatas para se fazer um suéter ou até mesmo uma tiara de cabeça. Ela que em menos de uma semana conseguira arranjar uma capacidade para seus dedos antes tão próximos das rotinas da raízes e agora verdadeiros trabalhadores, e mais ainda, diriam uns, disseram alguns senhoras entre o bom dia e o boa noite, artistas. E é claro que eu fiquei puta da cara porque conheço Julieta poderiam fazer o que? cinco anos, quem sabe, mas na verdade faz quase um ano, quase um ano que convivemos e fazemos coisas que as outras pessoas consideram sinais de intimidade como tirar fotos com os rostos grudados para cabermos no mesmo ângulo, ou quem sabe tomar chimarrão na frente de casa em uma cadeira de praia cravada no concreto, com uma boa dose de surrealismo. Bem sabia ela que há oito meses eu já ensaiava o tricô, coisa que fora passada a mim por gerações desde quando na Lituânia minha avó fazia remendos na época da guerra em soldados, e todos eram soldados naquela época. Bem sabia ela da importância disso para mim, tanto é que até assinei uma revista pela primeira vez na vida a Linhas de Perto, da Casa e Gavetas Editores, e que imagine só até mesmo uma loja pensei em abrir no ramo (passei perto de uma criança no supermercado na terça-feira e o fato dela chorar agudamente com um rosto bolachento sabor cereja vencida magicamente sumiu após eu observar suas lindas tranças, então pensei Traços e Tranças, está aí o nome da minha loja, até o nome do lugar já tenho enfim). Tudo isso pensei em dizer para Marco, meu companheiro, mas não falei nada para não soar arrogante, porque estava na hora de deitarmos, e porque também eu não queria suscitar o rosto fino de Julieta, eu não poderia correr o risco de deixar Julieta em sua mente como um post-it grudento em vai e vem logo na hora que eu queria era ser comida por ele de luz acesa sem nenhuma concorrência imaginária em seu córtex cerebral. Mas acontece que quando Marco me rebateu com seu gordinho pênis tonteante, por mais que eu quisesse brincar de fazenda ou jorrar suores e coisa do tipo, eu não conseguia pensar como fora que Julieta decidira se interessar pelo tal tricô, pelo meu tricô, aquilo tudo era uma sacanagem comigo, de certo a louca me espionava as escondidas ou coisa do tipo, eu devo ter mencionado algo para ela mas não lembrava exatamente qual momento fora esse e se envolvia ou não aquelas margueritas do chá de fralda de Flávia, eu estava quase certa de que essa não era uma simples coincidência essa mulher devia estar armando algo, daqui a pouco eu veria o caminhão de mudança trazer uma piscina oval igualzinha a minha para a casa dela, que fica no outro lado da rua, daqui a pouco ela estaria pedindo ovos com um decote filho do caráter mais explicito na minha porta, o exibindo para Marco, logo depois de eu sair para deixar as crianças no colégio, não me surpreenderia em nada ela pular em cima dele, nas suas noites de tricôs Julieta deve sim pensar em Marco a fodendo de costas como uma máquina de costura, rápida e forte, deve imaginar como será o seu pau, o mesmo pau que agora me atinge por dentro sem jeito, com um ritmo indeciso porém energético, o pau que me cava aos poucos até o ponto de eu duvidar que ele realmente está lá e porque ele está lá para me abrir ou para me fechar. Será que Julieta gostaria, aposto que sim, gostaria de estar aqui com suas duas agulhas rosas enrolando a lá com ferocidade enquanto Marco erra meu clitóris e sua saliva é desperdiçada no meio das minhas pernas, enquanto eu o empurro para longe e faço nosso ponto de contato ser apenas meus dedos esquerdos e sua glande careca e viscosa, se Julieta estivesse eu mesma lhe daria um ensinamento importantíssimo sobre a arte do tricô – primeiro que uma agulha sozinha não faz o ponto – abrindo um caminho com os dedos entre as nádegas molengas e fugidas de marco – segundo que para um bom tricô o importante além de movimentos repetitivos é surpreender – encontrando uma abertura na junção de seus pelos grossos e avançando por trás vagarosamente cada vez mais dentro do dentro –e terceiro, tudo pode ser agulha, tudo é agulha, todo material é útil se temos a vontade necessária de trabalhar. Eu fodia Marco e ignorava seus pequenos rugidos de asas batendo ao vento forte enquanto imaginava Julieta a costurar na poltrona ao lado de nosso closet, eu não conseguia ver o que ela estava tecendo, se era uma blusa ou um blusão, um biquíni ou uma boina e isso me deu muita raiva, muita raiva por não saber ou não poder saber o que era, então quando eu e Marco acabamos e ele se entregou a sua própria poça de suor como um peixe exausto de tanta energia gasta em uma fuga inútil de um anzol estrangeiro, eu percebi que me parecia um pequeno traje, talvez para um bebê ou uma criança.

Foi então que me veio uma estranha sensação de querer ser muito pequena para poder caber naquela peça de roupa.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

não fora mais encontrada a irmã de charlotte

embora a manchete do the times
alegue desaparecimento
aparentemente entre as  2pm e 3pm
a irmã de charlotte teria se perdido
em seu próprio apartamento um tipo londrino van der rohe
embora a insistência da mãe
de que ela esteja lá em algum lugar
gostava tanto de tirar uma soneca
no armário de talheres para mariscos
às vezes dormia com os tapetes
quando se despistava dos olhos
sem falar sua paixão máxima
pelas expedições nas luminárias
herdadas da família
(num tempo em que a índia era mais interessante)
o que dizem mesmo por aí
é que a irmã de charlotte
encontra-se morta mesmo não se sabendo exatamente onde
onde ficam os mortos
onde ficam os mortos
a irmã de charlotte sabe
mas tirando a grã bretanha
no resto do mundo a pontualidade é uma questão
de coreografia

grafado em uma parede de tijolos à vista, embaixo do rio Hughes, há uma frase que explica
quando se desaparece quem some primeiro são os ouvidos

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

você já ouviu falar em nebulosas?

isto é o som de algo passando
fffffffffffffffffffffffffffffffffffffff
começa com f e termina com f
(e intui-se que no meio há um número incontáveis de fs)
você já ouviu falar em nebulosas?
dizem que tem a ver com isso
(desconfio ser incontáveis o ponto de encontro)
você já tomou um café no posto público 9?
como é estranho não é mesmo
levar uma xícara na boca num lugar espirro de doença
manter-se acordado e ter que manter-se acordado
para ver os outros dormirem depois de um longo espirro
cairem assim one is a thousand 

que você mastigue sem tocar

olhe essa laranja ela é para você
eu já vesti vitrines e troquei Berlim por um avião
tantas foram as vezes que um mês era a duração de um bocejo
comecei a vender lingerie antes de ter os seios crescidos para as fotos
Hebert Tobias uma vez me disse que nossas maças do rosto são o estoque onde fica a quantia exata de nossa gravidade
eu não acreditei naquela época
por isso essa laranja aqui trouxe para você
você é jovem muito jovem
mas não para saber onde realmente nasceu
há uma idade em que mudamos de cor comigo aconteceu cedo
meu braço direito começou a azular e o esquerdo preferia o cinza
eu tinha medo do encontro dessas duas cores no meu peito
eu preferi a música do que as fotos
por isso mandei fazer na Hungria uma abertura de lábios que não denunciasse
as palavras que acertava de primeiro
provavelmente eu deveria ter parado para costurar os botões no caminho
nessa época eu achava que catarata era um tipo de borboleta dócil mas falante
houve até um dia no Muddy Days que eu reconheci o seu pai justo por isso
não se via homens com olhos de larvas naqueles dias
eu descobri que toda música é onívora
que só a música mesmo é ovípara
que os verdadeiros carteiros usam o uniforme nos ouvidos
ele poderia ter sido Philip ou Alain
mas naquele tempo esquecer me excitava
há muito confundi minhas costas com um prédio
eu coloquei a nudez na cara
e o resto do corpo todo ficou sem-teto
por isso depois de um ano uma nova geração de cometas retorno
e essa laranja aqui eu trouxe para você
é importante não confundir desaparecer
com movimento

o título da cara

há sempre uma esperança que haja café na cafeteira
embora a esperança não espere pelo café
assim como as semanas rasteiras
oliveiras frias extraídas nas ligeiras barrigas
é fevereiro para todas as mãos não inteiras
assim como a letra ó
em que cabem as quilometragens esteiras
em que cabem as semanas rasteiras
a esperança da cafeteira
assim como a letra ô
que agora uso no lugar da boca
a letra que uso como boca
ali na cara uma letra na cara


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

posição dos quatro

eu queria muito tirar os sapatos porque a verdade é que dentro deles eu diminuía> mas eu estava sendo o domingo naquele dia e o tempo tirava as cores dos objetos> imediatamente era noite> e eu lá esperando uma carona desejando ter mais de uma boca para dar conta do café do cigarro de são josé tudo na mesma hora> e ainda tinha a chuva que não estava caindo mas podia cair o que era bem pior> então ao invés de ficar descalça eu resolvi olhar para uma menina cuja a idade uma vez eu tive> talvez durante algum mês da vida eu tive 16 anos talvez> ela era muito alta em compensação ao seu número de aniversários> e de costas isso devia soar como desapontar para uns ou piscadela de iluminador para outros> eu resolvi pensar que o nome dela era Marina> e que ela preferia acreditar nos horoscópos do que na balança> e que de longe seu cabelo ou o que ele esconde pode ser enxergado bem melhor> ela tinha esse rosto de passeio> onde as pessoas em geral podem caminha correr ou até mesmo acampar porque não> a terra recém revirada como ficam as construções quando vão embora> essa menina tinha o rosto de alguém que foi embora e isso me doeu profundamente até porque com 16 anos ninguém chega perto o suficientemente para ir embora> mas então me lembrei que a sua idade era uma invenção> a minha> seu nome poderia ter sido Angélica> Angélica a atriz do pornoposse> Angélica a pisca olho das câmeras> e nenhum sofrimento fez mais nenhum sentido> porque só a dor física é real> como por exemplo a mesma tomada de quatro por quatro horas com uma lubrificação saara> mas a julgar pelos corredores de seu ouvido> Marina não foi Angélica nem em sonho nem em> eu sabia que a olhava só para me fazer de início> porque olhar para alguém, nessas situações, é como fazer um retorno para si mesmo só que blefando a quilometragem toda> era uma desculpa a noite que era> eu sabia que logo não haveria mais aquele museu> e a maquiagem forçada de tribo floresta> de alguma forma eu carregava o futuro ali mesmo> entre o anelar e o indicador vai saber> tem essas horas que toda roupa sobra> nessa hora o ideal seria não avisar a previsão do tempo> mas então você não lembra quem veio primeiro a cadeira ou você>